Capítulo XXXIV - Juntos pela primeira vez

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     Beatrice

O meu telemóvel desperta-me, retirando-me de um sonho estranho em que Alina massacrava Clayton e eu precisava de o salvar, mas sempre que o estava prestes a conseguir, ela apanhava-me e o sonho recomeçava, voltava ao início uma e outra vez, massacrando o meu psicológico.

Tenho uma mensagem de quem, de todo, não estava à espera. Não depois da nossa última conversa há cinco dias atrás. "Quando puderes passa por aqui."

Tenho curiosidade em observar o relógio que se encontra na minha mesa-de-cabeceira. Por muito que esta seja uma altura do ano em que as nuvens tapam os raios solares desde de manhã até ao fim do dia, a luminosidade ainda me parece demasiado reduzida. Passa pouco das sete da manhã. Pensava que era mais cedo. Desde que a cidade ficou vazia que acordo ao longo da noite, estando horas para voltar a adormecer e tendo apenas algum descanso na meia hora antes de voltar a acordar. Então, algures pelas seis da manhã, desisto e fico a olhar para o teto escuro, até ter coragem suficiente para me levantar e enfrentar mais um dia.

Marco o número de Edwin.

-Beatrice, olá.

-Olá. Eu vi a tua mensagem, o que se passa? Foi a Alina?

-Não. Está tudo bem. Só preciso que venhas aqui ter.

-É para combinarmos o plano?

-Não. Ahm... Beatrice, talvez seja mesmo melhor vires até cá quando puderes.

-Eu estou a ir agora mesmo. – E dito isto desligo o telemóvel, não estando de modo algum confortável com o estranho pressentimento que se instala no meu interior.

Sou um ápice a chocar com o frio fora dos cobertores e não demoro a trocar o meu pijama por umas calças de ganga e uma camisola de gola alta com pêlo, indo a calçar as botas à medida que saio do quarto.

O tempo mal passou quando já estou a chegar à cabana. Deixei um bilhete ao meu pai a dizer que saí, para não se preocupar, e não abandonar a nossa casa até eu voltar. Não faço ideia do que aconteceu e isso intriga-me.

A porta de madeira abre num ápice, voando para abrir e voltar a fechar, sendo tudo isso um só movimento, enquanto eu sou nada mais que um raspão a passar. O meu instinto leva-me à primeira divisão do lado direito, e não chego a entrar na sala quando cada parte de mim estanca. Há um arrepio que toma conta de todo o meu corpo, e as minhas pernas vão ceder a qualquer momento. Edwin dirige-se a mim, ficando diante da minha pessoa por momentos que parecem intermináveis, porém só quando raciocino essa duração é que sou capaz de, ainda presa à ideia do que me atingiu, o olhar.

-Eu vou deixar-vos. – Porém ainda permanece a observar-me por alguns momentos, e é com um leve sorriso que depois me deixa. Faz-me perguntar numa pequena questão de tempo quão elevada é a probabilidade de ele ser a causa desta situação.

Respiro devidamente pela primeira vez desde que aqui cheguei. Ainda assim, a minha expiração é uma lufada de ar tremido. Temo que esteja prestes a chorar. Não me censuro. Dou conta que, inconscientemente, saí da tábua de madeira em que os meus pés pareciam estar colados há anos. Quero falar. Quero tremendamente dizer-lhe alguma coisa, pedir para que fale, para que me deixe ouvir a sua voz, porém a minha garganta parece estar atada por mil elásticos que me impedem de pronunciar qualquer coisa.

Aproximar-me tanto como o estou a fazer parece uma armadilha. O meu coração está a sentir algo inquietante e as minhas mãos tremem. Eu sinto-as tremer. O leve respirar fundo que ouço e que levemente bate contra o meu rosto toca no ponto mais fraco de mim, sendo que, depois, não tenho um aviso prévio quando a minha visão se torna um borrão e o choro está preso nos meus olhos. Não entendo esta estranha ligação que temos, que é assim tão poderosa. A minha mão está numa luta contra o espaço, dirigindo-se ao seu rosto, desejando que possa sentir a sua pele tal como senti quando ele esteve adormecido, e isso seja a confirmação que nada disto é um novo sonho que me livrou daquele maldito pesadelo. E é ao sentir pele contra a minha pele, vivência junto da minha vivência, que a minha respiração se corta e uma lágrima deixa os meus olhos. Não aguento uma gargalhada silenciosa. Ele é real. E o quanto eu ansiei, durante meses, nos meus pensamentos mais íntimos e nos meus sonhos mais encantadores, por este momento. Ele sorri de volta. O seu sorriso finalmente nasce, genuíno e mágico, verdadeiramente a tornar-se cada vez mais rasgado, e abraçamo-nos num gesto que ansiámos desde que nos vimos ambos vivos pela primeira vez, sendo feitos de almas que já não estão separadas pelo mundo. É estranho. É como se não o conhecesse, como se estivesse a entregar-me a um gesto que é quase proibido, que é feito com um desconhecido. Mas ainda assim, eu sei que nunca senti um aperto entre corpos tão sentido, tão necessitado de uma confirmação de que é real. Sinto o seu peito aliviar, os ombros e o tronco a descerem e a descansar. Ele finalmente descansa. Ele está aqui agora.

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