Capítulo XXIX - Tu despertas-te isto em mim

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  Beatrice

Hoje é um novo dia. Porém, por muito que o de ontem tenha finalmente acabado e se tenha tornado passado, continua tão presente como se fosse o meu hoje. O longo dia ainda é duramente batalhado na minha mente, cada cena ainda está demasiado viva em mim.

O forte arrepio que sinto dá-me a entender que já não estou sozinha na varanda do meu quarto, enquanto bebo um bom chá quente, tentando acalmar-me. Tudo o que vivi ontem ainda está demasiado presente, principalmente a última conversa que tive antes de me ir deitar na cama, derrotada e apenas a desejar que chegasse o hoje e que fosse minimamente melhor.

Depois da terrível história que Edwin me contou, história que ainda me mantém desconfortável, tudo o que o meu sistema nervoso menos precisa é de mais revelações e momentos de me meter com os meus níveis de calma nos negativos.

-Chegaste. – Parece aliviado quando o diz num suspiro. Parece também dizê-lo mais para si próprio, como se se informasse de que este é o momento que ambos sabemos que esperámos nas últimas horas. Sento-me a seu lado, no sofá. As suas mãos passam num movimento para cima e para baixo, nos joelhos. Aparenta estar nervoso. Está nervoso. Ainda assim, não consigo dizer nada que o possa ajudar a começar o que parece rebolar na sua boca mil e uma vezes para sair, sem êxito. Estou tão nervosa quanto ele. Nervosa por causa de tudo e do que ainda está para vir agora e depois. Estou completamente de rastos.

-Lembras-te quando eu te dizia que eras a minha Trice forte desde o primeiro segundo? – Julgo ter-mo dito vezes suficientes para me relembrar de tal perfeitamente. Confirmo com um fraco acenar de cabeça. – Bom, eu não estava de todo a mentir quanto a isso... Foste forte desde o primeiro segundo. Forte desde que nasceste. Só que ainda mais do que possas achar... - Faz uma pausa que nos permite sair da bola de nervos em que estamos e respirar fundo apenas por um pouco, apenas para logo de seguida voltar ao ar abafado e atmosfera sufocante. – Eu vi a tua mãe morrer ao dar-te à luz. Mas para além disso, eu vi-te também a deixar-me... Nunca houve um dia tão comprido como aquele. As horas eram um sufoco a pascer. O final nunca mais parecia chegar... Eu estava num parque com a tua mãe. Lanchámos, rimo-nos deitados na relva e vimos os pais a passearem com os seus filhos enquanto nos imaginávamos a fazer o mesmo num futuro próximo. Ela começou a ter contrações. Acho que com todas aquelas fantasias que estávamos a ter da nossa vida contigo, foi ironia do destino! Conduzi a uma velocidade estonteante até ao hospital mais próximo. Fomos travados no trânsito por causa de um grande acidente que tinha acontecido algures perto de uma grande festa de verão da cidade. Voltei para trás. Parecíamos acertar em todas as estradas cortadas por causa dos festejos... a tua mãe sofria cada vez mais a meu lado, lutava cada vez mais enquanto só te pedíamos mais uns minutos. O parto foi difícil. Assisti a tudo, estive ao lado dela em cada segundo até ao fim... - Trava por um pouco, vejo-o a engolir todo o sofrimento que surge. Sinto-o, também. – Lembro-me de implicar por um segundo com um médico para me deixar entrar atendendo a como ela estava fraca pela longa espera, e ele lá me deixou entrar. Foi tudo muito rápido. Os médicos passavam à minha frente sem que eu conseguisse dar conta, agarravam isto e aquilo e estavam apressados, quase tanto como o meu coração. – Respira profundamente, teme. Parece que vai chorar a qualquer momento. – Ela não aguentou. Estava cada vez mais fraca... Quando finalmente saíste, só teve tempo para olhar par ti uma única vez, sorrir, e o seu coração cansado de lutar parou. A pele dela estava tão branca... mais do que era normal e eu achava ser possível. Tinha a testa totalmente suada de tanto esforço. – Relembra, triste. Profundamente triste. – Com toda a demora do parto, tu nasceste asfixiada. Nasceste morta. E como eu vi o meu mundo entrar oficialmente em ruinas quando soube disso...! Tinha acabado de ver a minha mulher a morrer diante dos meus olhos, e ainda a única lembrança do nosso amor também a abandonar-me. Então, pela primeira vez, eu rezei. Rezei de alguma forma, a pedir para não te perder. Eu ainda não acreditava que podia ser possível... eu tinha fé nos médicos, fé em que iam conseguir reanimar-te. Era o que mais queria. E ainda consigo relembrar o quão chocado fiquei quando tal aconteceu. Quando reanimaste e me disseram que estavas comigo, viva. Que as minhas preces tinham sido ouvidas. As minhas mãos tremiam loucamente, julguei que não conseguiria agarrar-te. Queria tanto. Tocar-te e sentir o teu coração a bater perto do meu... Mas quando vi o quão bonita eras no meu colo, as minhas lágrimas pararam e o meu corpo ficou perplexo. Eras mesmo verdade. Estavas ali, viva, comigo. Tinhas lutado e voltado da morte...! E eu soube desde o primeiro segundo que serias sempre tu e eu, que te iria sempre proteger, acontecesse o que acontecesse. – Tenho os lábios comprimidos um no outro, choro tal como ele.

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