Capítulo XXIII - Cidade das memórias

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Beatrice

Ao final da tarde, o xerife, a lado do prefeito, irá falar para a população de Misteroud Fells sobre a necessidade de a cidade ser evacuada. Juntamente com Edwin, Kira e Clayton, chegamos à câmara no largo da cidade, encontrando-nos à entrada com Catherine e Thomas como combinado.

-Acho que é grave. – Thomas informa.

-Sim, parece ser. – Edwin finge não ter sido sequer ele a falar com o xerife sobre este assunto.

Steve aparece vindo de um dos corredores.

-Olá malta. Vamos entrando?

Acenamos um sim. Capto um olhar entre o rapaz e Catherine, que ela faz por logo de seguida ignorar. Nunca a vi ficar assim magoada por tanto tempo. Ela faz sempre por seguir em frente e aceitar que o que aconteceu tinha de acontecer e com isso aprendeu a lidar com algo de outra maneira, mas desta vez é diferente. Ela ama-o mesmo e não consegue aceitar a forma como ele gritou com ela e a magoou simplesmente porque nunca imaginaria que ele o podia fazer. Ela não aceita as coisas e segue em frente, ela tenta ignorar e esquecer. Apenas tenta e deixa que o tempo faça o seu trabalho. Mas desta vez é diferente, porque ela está verdadeiramente magoada e não há justiça para si mesma se fingir que nada aconteceu. Porque ela o ama, e precisa que ele lhe prove que também a ama e respeita. E assim eu vejo como a Catherine é muito mais frágil do que demonstra. Assim eu vejo que aquilo que sei mas chego a esquecer, continua bem real, porque ela continua a ficar magoada e a sofrer e há momentos em que não pode passar isso à frente e tem de nos fazer perceber que não é de ferro, que sofre tanto como nós no seu íntimo.

Eu e os três que chegaram comigo deixamo-nos mais para trás e quando dou um olhar a Edwin ele mostra que entende o meu sinal e muda a direção do seu caminho, tal como Clayton. Kira vai também, mas sei que para a grande porta de entrada para fazer o feitiço que combinámos para que caso Alina decidisse aparecer, não estragasse os nossos planos pelo menos logo no primeiro segundo. Edwin e Clayton vão vigiar e certificar-se que ninguém se aproxima.

Quando entro na grande sala onde o corpo do xerife diminuído pela grande distância se pode encontrar no topo da escadaria curta, deixo-me no fundo, de pé. Kira não tarda a aparecer e ficar a meu lado. O xerife Coleman, num manto de serenidade que até a mim me deixa calma por instantes, alerta o grande número de cabeças diante de mim que a cidade está em perigo e para o bem de todos é estritamente necessário que se mudem. Fala de um motel onde todos os que não tiverem para onde ir poderão ser hospedados sem custos em Oregon – possivelmente o local de que Edwin falara – e o burburinho inquieto na sala parece acalmar e, depois, cessar. E as palavras do xerife, seguidas depois das do prefeito, começam a tornar-se apenas ruídos enquanto percorro o olhar nas pessoas à minha frente, todos os que compõem Misteroud Fells e que, seja de que forma for, fizeram parte daquilo que vivi até agora.

O empregado do restaurante que se habituou a cumprimentar o meu pai com um aperto de mão e uma palmadinha nas costas e a trazer-nos o habitual para refeição. O restaurante que se tornou um lugar especial para mim, um lugar intimo, aquele ao qual eu e o meu pai vamos e discutimos o nosso dia, falamos do meu futuro na universidade que de repente se tornou algo bastante próximo, relembramos o passado e deixamos mais um pedaço de nós nas paredes repintadas pelos anos em que lá passei. O empregado que mantém os olhos fixos nas palavras dos dois homens diante da multidão, que se mantém de certa forma indiferente, mas cujo peito sobe e desce de uma forma mais acelerada.

O carteiro que continua a trocar uma palavra com o meu pai nas manhãs em que lhe entrega o correio em mão e, quando tem tempo, ainda para e discutem política. O carteiro que tem dois filhos ainda pequenos e uma mulher desempregada, que todos os dias de manhã sai para o seu trabalho para conseguir sustentar a sua família. O carteiro que olha então para a sua mulher e filhos vendo todo o seu esforço a não ser suficiente agora, o nervosismo e ânsia de arranjar uma solução, enquanto a mulher deposita o peso da cabeça no seu ombro e ele passa a mão pela sua bochecha, beijando-lhe a testa.

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