IV - Lição ou Preconceito

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- Vai cortar esse cabelo já, seu cretino! - Lizzy estava falando sobre o meu cabelo novamente. Era um de seus temas favoritos. - Realmente, Jarhead, qualquer outro visual é melhor que esse.

Eu não sou um fuzileiro naval. Lizzy achava divertido me chamar de 'Jarhead' em vez de Jared. Às vezes ela pensa que eu estou sendo particularmente obtuso. O que muitas vezes é. O comprimento do meu cabelo é uma das suas coisas favoritas para me provocar. A verdade é que cortar o cabelo apresenta um problema para mim.

Existem apenas dois lugares em Coda para cortar o cabelo. Há a Barbearia Gerri Shop, aonde a maioria dos homens da cidade vão. Mas Gerri é conservador, uma das poucas pessoas na cidade que me trata como um pária, portanto não posso ir lá. Então há Sally Salon, o salão de beleza que a maioria das mulheres vai.

Eu fui algumas vezes lá, mas sempre era terrível. As meninas pareciam pensar que por eu ser gay, significava que eu queria fofocar com elas sobre quem estava dormindo com quem ou debater os méritos de Brad Pitt sobre Johnny Depp (o que não é exatamente o meu tipo). Uma vez deixei Lizzy cortá-lo, mas foi um desastre que nenhum de nós queria repetir.

Meu cabelo louro escuro é espesso e grosso e, naturalmente encaracolado. Se for muito curto, eu acabo com cachos saindo em todas as direções. Mas se deixar crescer, os cachos pelo menos caem. Eu poderia raspar, mas precisaria de muita manutenção. Então, prefiro ficar com uma massa de cachos selvagens.

Devo admitir que ele tem mais do que uma singela semelhança com um espanador fora de moda. Eu tento amarrá-lo para trás quando estamos na loja, se eu puxar os cachos em linha reta, eles ficam bem comportados. Mas, até o final do dia, metade deles já escaparam.

- Lizzy, eu gosto de ser cabeludo. Desta forma, você e eu parecemos, viu?

O cabelo dela é da mesma cor que o meu, porém mais longo, e seus cachos são mais parecidos com ondas suaves. Ela atirou-os sobre o ombro e deu-me o dedo do meio e depois se virou para Ringo.

- Ringo, diz ao Jared que ele precisa de um corte de cabelo!

Ringo olhou para cima alarmado de seu trabalho escolar sobre o balcão. Lizzy o deixa estudar na loja, contanto que não haja clientes.

- O quê? Você está falando comigo?

Ela revirou os olhos bem humorados.

- Honestamente! Ninguém me ouve. O que te deixa tão perplexo aí?

- Álgebra avançada. - Ele jogou o lápis para baixo em seu livro e empurrou o cabelo para trás fora do seu rosto com as duas mãos. - Como alguém consegue fazer isso?

- Você vai descobrir isso. - Garantiu-lhe Lizzy.

- Como? Eu não entendo nada disso. Meu professor apenas segue o livro. Meus pais não podem me ajudar. Ninguém pode me explicar de uma maneira que faz sentido. - Pegou seu lápis fora e colocou a cabeça entre as mãos enquanto se inclinou de volta à sua tarefa. - Eu odeio isso!

- Jared pode ajudá-lo.

- O quê?!

Ringo e eu exclamamos em uníssono. Fiquei horrorizado que ela iria sugerir isso e ele, obviamente, ficou também, a julgar pelo olhar em seu rosto.

- Jared é realmente bom em matemática. Ele supostamente é um professor de física, não é? - Ela me deu um olhar penetrante, que eu me afastei. - Talvez ele consiga ser seu tutor.

- Talvez. - Ringo parecia bastante cético.

Eu não disse nada. Lizzy partiu pouco depois já que ela tinha aberto a loja naquele dia. Nós não tivemos muitos clientes naquela tarde e Ringo passou a maior parte do tempo tentando decifrar seus problemas de matemática. Havia um monte de apagar e escrever acontecendo, e eu poderia dizer que ele estava ficando frustrado.

De vez em quando, ele olhava para mim, e eu sabia que ele estava discutindo se deveria ou não pedir ajuda. Eu o ignorei. Finalmente, quando eu estava fechando o registro, ele disse hesitante.

- Jared, você realmente sabe como fazer isso?

- Eu realmente sei.

- O que ela quis dizer com você 'supostamente ser' um professor?

- Isso é o que eu planejava fazer quando eu fui para a faculdade.

- Então, por que não é?

Eu poderia ter lhe dado à mesma resposta que dei a Matt, mas por alguma razão, eu lhe disse a verdade.

- A mesma razão pela qual você não quer que eu seja seu professor particular. Algumas pessoas pensam que só porque sou gay, eu vou molestar cada menino que cruzar o meu caminho.

Ele ficou quieto por um minuto e eu poderia dizer que o tinha deixado com vergonha. Me senti um pouco mal com isso, mas eu não podia voltar atrás.

- Isso é o que diz o meu pai. - Seu rosto estava vermelho brilhante, e ele não iria olhar para mim. - Ele diz que eu não deveria estar sozinho na loja com você. Digo-lhe que Lizzy está sempre aqui. Ele não sabe que ela sai, às vezes.

Minhas mãos tremiam um pouco, e eu estava tentando controlar o impulso para não bater as coisas ao redor.

- Eu vou ter certeza de manter distância, então.

- O negócio é: você nunca tentou nada comigo. Eu nunca vi você papear ninguém.

- Garoto, eu sou gay. Não sou um pervertido e eu não sou um pedófilo.

- Eu não sou uma criança. - Disse ele, indignado.

Respirei fundo para me acalmar. Claro que, tendo dezessete anos, ele não se sentia como uma criança, mesmo que ele parecia uma para mim.

- Eu sei. Só estou dizendo que só porque eu sou gay, não significa que eu não consigo me controlar. Ou que eu não tenho padrões. Você dá em cima de cada menina que você vê? Mesmo as que têm apenas quatorze anos? Ou as que estão namorando outras pessoas?

Bem, ele tinha acabado de completar dezessete anos; talvez não tenha sido um bom exemplo.

- E quanto a Lizzy? Ela gosta de homens também, mas você não se preocupa que ela vá te assediar. - Eu realmente vi as engrenagens girando e que ele pensava sobre isso. Mas eu não queria falar mais nada. Ele descobrindo isso ou não, eu não sentia vontade de ficar discursando. - Esqueça Ringo. Vou trancar as portas. Desligue as luzes quando sair.

- Jared, espere! - Virei-me. Ele estava mastigando os lábios, batendo com o lápis nervoso contra o seu livro, mas pelo menos ele estava olhando para mim. - Eu nunca vou passar dessa turma sem ajuda. Eu não posso lhe pagar, mas vou trabalhar além do meu horário, se você for meu professor particular.

- E o seu pai? - Ele deu de ombros um pouco.

- Ele quer que eu passe. Eu vou dar um jeito nisso.

Sua mudança repentina de atitude me surpreendeu. Talvez eu realmente tivesse esclarecido o entendimento dele um pouco. Ou talvez ele realmente estivesse tão desesperado para passar. De qualquer forma, eu também estava surpreso ao descobrir que a ideia de aulas particulares para ele, não era tão terrível quanto eu tinha pensado no início.

Eu estava realmente ansioso para ter algo diferente para fazer. Podia até ser divertido. Que foi uma indicação muito triste quanto ao estado da minha vida social. Ainda assim, ficar sentado em um balcão de uma loja de peças não era exatamente estimulante. Pelo menos isto exercitaria alguma parte da minha negligenciada massa cinzenta.

Eu quase podia sentir as partes não utilizadas do meu cérebro acordar, alongar, e olhar em volta para ver o que estava acontecendo. Ringo ainda estava olhando para mim, esperando por minha resposta. Por que não?

- Ok, garoto. Vamos ver como você está.

Promessas (Série Coda - 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora