Há alguns minutos...
Usar os homens nunca passou pela minha cabeça até o dia no qual quase tudo sobre a realidade ficara claro para mim. Apesar de não ter dito, achei o argumento do Andy um tanto machista pelo fato de que as mulheres não deveriam fazer o que eles faziam, que era justamente usá-las para esquecer de suas vidinhas por algumas horas ou minutos.Apesar disso, a maior parte da sociedade, não somente os homens, tinha percentuais mínimos ou extremamente máximos disseminados em sua cabeça, que os levavam a falar sem pensar nas possíveis consequências que surgiriam. Era uma explicação razoável para aqueles que ofendiam indiretamente.
De qualquer forma, a questão era que eu não transava desde que me separei de Evan. E não era nem por falta de vontade. Apenas me permitia ficar com homens porque, pelo menos, beijar não me causava nenhuma vertigem ou qualquer reação comprometedora devido a uma ação que ultrapassava os limites que impus depois de tanto sofrimento.
O fato mesmo era que "usar" não se encaixava com o Johann. A companhia dele, incrivelmente, sempre me fez bem e, por algum motivo, me vi supondo possíveis conclusões enquanto ele me puxava para aproveitar os clichês do parque, ao som de um cover que não conhecia.
A agonia que senti por estar perto demais da pessoa que quase arrancou meus olhos com suas unhas apenas elevou, desse modo, suspirei de alívio por ele ter me tirado de lá, senão morreria sufocada.
Johann me convenceu a irmos brincar de Tiro ao Alvo certa hora e, embora a intenção fosse boa - afinal, ele queria acertar uma coruja de olhos bem grandes para me presentear com algum daqueles ursos - senti um aperto no peito ao olhá-la. Pela primeira vez, algo ruim se tornou bom devido as circunstâncias.
Ele não era bom com pontaria.
Após três tentativas falhas, avancei um passo, esticando meu braço para encostar no dele.- Eu... posso tentar? - indaguei, pronta para pegar a arma de brinquedo.
Assim que toquei nele, Johann segurou a arma com as duas mãos desvencilhando-se do toque para me entregá-la.
Foi uma reação demasiada estranha.
- Aqui - Peguei-a. - Desculpe, sou péssimo com pontaria - sussurrou, sem graça por não ter conseguido me presentear, acreditando no fato de que tudo em filmes parecia ser fácil para os homens.
- Sem problemas! Vou ensinar a essa coruja que não pode tirar sarro de alguém que... de você!Ele riu.
- Você mesma está tirando sarro de mim, Lou.
- Ah, droga, você percebeu!
Pisquei para ele, que corou levemente.
Apontei.
Havia uma época na minha adolescência que comecei a gostar de corujas, porém após um tempo tiraram isso de mim. Argh! Eu só conseguia sentir ódio por aquele traste ferrar com, praticamente, a minha vida inteira.
Sem remorso, atirei.
Meu coração urgiu e senti todo o meu corpo aquecer. Não por vergonha de alguma coisa, e por gostar da sensação de ter extravasado um pouco ao atirar na coruja, que caiu para trás no mesmo instante.
Ainda não olhara para ninguém, apenas sentia o prazer do conforto de superar um mau presságio que instalou-se em minha vida após as coisas ruins.
- Você acertou! Lou, você acertou! - berrou, com o semblante atônito por eu realmente ter conseguido.
Não fosse ele, ainda estaria em transe.
- Eu sei! - Ele parecia uma criança com a expressão que carregava em seu rosto. - Não disse que ia vingar você?
Sorri mostrando os dentes e com os olhos fechados.
Sequer peguei em uma arma e, ainda por cima, por algum motivo que passara despercebido, eu tinha uma ótima pontaria.
Sem notar, senti duas mãos repousando-se em meus ombros.
- Pode me ensinar a ter uma boa mira? - Ele proferiu com o semblante sério.
Ponderei por instantes. Podia ser boa em qualquer coisa caso eu tentasse, no entanto, ensinar nunca foi algo que dominava. As pessoas que pediam uma explicação minha sempre saíam com mais pontos de interrogação sobre a cabeça do que antes. Apesar disto, queria conservar aqueles olhos esperançosos que me encaravam.
- Promete amar e respeitar a sua professora não importando se ela se enrolar com suas próprias explicações?
Até eu tive de rir com o que acabara de dizer.
Após alguns instantes recobrando a compostura, Johann expirou o ar que acumulara em seus pulmões e disse:
- Sim, eu prometo amá-la e respeitá-la, mesmo se não conseguir me ensinar.
Semicerrei os olhos com a mão na cintura e a outra segurando a arma.
- Certo! Nossa aula começará amanhã. Leve seus materiais de estudo.
- E quais seriam eles?
- Qualquer coisa que não seja mais leve que o ar e uma lixeira.
- Foi assim que conseguiu aprender? - indagou ele, com uma mão no bolso frontal e a outra fazendo movimentos circulares no olho fechado.
Anuí e repousei a arma no balcão para o responsável, que atendia outros clientes, pegar e guardar. Tinha uma breve impressão de que ele estava prestando atenção na nossa conversa.
Que falta de educação!
Voltei a encará-lo.
- Só aprendemos se tentarmos. Fora isso, é basicamente impossível você sobreviver neste mundo. Aliás, quando você aprende a desenhar, os rascunhos são os seus amigos e inimigos próximos. Sabe por quê? - Meneou a cabeça em negativo. - Bem, você acaba odiando eles porque não consegue atingir a perfeição mínima do que quer desenhar. Perde a paciência e quer jogar tudo para o ar, mas quando a raiva passa, a folha ainda está lá, esperando ser desamassada para nos ajudar a perceber aonde foi que erramos.
- É a sua própria teoria?
- Ahm, acho que sim. Por quê?
- Faz sentido. Mas então quer dizer que dá para sobreviver jogando papéis na lixeira, hein. Na teoria, já aprendi muita coisa, Lou!
Levei uma mão ao meu peito esquerdo.
- Não acredito que está sendo sarcástico comigo, Johann! Uau! Você está evoluindo, hein!
- Impossível não aprender nada morando com aqueles dois.
Com as mãos entrelaçadas e escondidas atrás das costas, mordi o canto do lábio inferior e contemplei o local no qual estávamos. Pais e outros casais tentavam acertar as corujas para ganhar um prêmio simbólico.
- É, com certeza - respondi sem olhá-lo.
- Com licença, desculpe atrapalhar a conversa de vocês, mas a moça acertou uma coruja e tem direito a um urso. Qual você quer? - O atendente finalmente pronunciou-se.
Emudecemo-nos e espiamos dentro do estabelecimento. Havia muitos ursinhos fofos e, enquanto deambulava os olhos por cada um deles, em um cantinho bem apertado estava uma pelúcia branca com metade do rosto laranja. Era o Hamtaro! Nossa! Nem imaginava que ele poderia existir depois de tanto tempo, não fisicamente.
Esse desenho marcou totalmente a minha infância. Não consegui me conter e... enlouqueci.- Deuses! DEUSES! Vocês tem um Hamtaro! Um Hamtaro! Acho que vou desmaiar de alegria! Johann me olhou daquele seu jeito como se a expectativa quanto as minhas ações fizessem melhorar o seu dia.
- Não acredito... Você assistia esse desenho?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Verão Inabalável (Livro 2) - Completo
General FictionLivro 2 da série "Estações Insólitas" Livro 1 - "Primavera Sem Rumo": https://www.wattpad.com/story/60735165-primavera-sem-rumo-livro-1 Uma nova estação. Um novo segredo para desvendar. E uma nova vida para explorar. Iris e seus amigos...