Capítulo 40 - Elizabeth Campbell

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De todos os cenários pré-moldados em minha mente, este foi o mais improvável de todas as alternativas existentes, e ainda fiz o que estava ao meu alcance para impedir que essa tragédia acontecesse; a avisei de todas as formas que alguém a poucos metros de distância poderia. Contudo, minhas tentativas foram em vão.

Nada faria com que o mundo girasse ao contrário e devolvesse Iris para a calçada onde caí de joelhos quando a vi deitada ali, imóvel. Até então, ela permanecia deitada, de olhos fechados e vários cortes marcavam seus braços, rosto e ombros.

Por que eu não conseguia me erguer e ir até ela? Essa era a questão que me importunava, pois tinha a segurança de que a culpada por este acidente era eu. Por que eu não a ouvi, quando ela mais precisava? Essa também ia e vinha, ao notar mais pessoas se amontoando ao redor dela. E a mais grave: por que eu não ligava para a emergência a fim de pedir uma ambulância, sabendo que ela necessitava disso? Essa nem eu saberia dizer, no entanto não desejava seu mal. Eu só não conseguia me mover, enquanto as lágrimas brotavam e o soluço acompanhava a dor de todas as questões juntas. Elas me cobravam uma atitude e eu era tola e incapaz demais para toma-la.

Quem sabe as pessoas pensassem o mesmo e me julgassem, pois da forma como elas me atiravam perguntas com o olhar fez-me encolher por dentro até o tamanho de uma formiga, a única que caminhava pela calçada e presenciava o acidente ganhar volume diante da multidão. Pelo menos ela não sentia a mesma culpa que eu.

Porém, não fui a única culpada. De todas as pessoas, o motorista imprudente era o maior responsável por ter causado o acidente e não ter prestado socorro. Se ao menos tivesse anotado a placa...

Nada pareceu real enquanto a via se afastar de mim. De costas para a rua, ela caminhou sem tirar os olhos do banco em que eu ocupava, e então um automóvel azul atravessou a avenida em alta velocidade, desrespeitando todas as sinalizações que indicavam o hospital infantil.

Depois de ter testemunhado o fato, tampouco poderia fazer algo; ter uma enfermeira em casa e ser criada com todas as instruções de nada serviam agora. Os primeiros socorros, ensinados diariamente desde que aprendi a compreender as coisas foi esquecido no instante em que a vi deitada no asfalto. Se mamãe soubesse que nada fiz, ela se envergonharia da minha incapacidade.

Devagar, a multidão se acomodou ao redor dela e alguns fizeram o que não pude; solicitaram uma ambulância. Foi o que ouvi de alguém que informou saber os primeiros socorros e se ajoelhou ao lado dela para verificar seus batimentos. Sem demora, a médica do hospital infantil pediu que alguns se afastassem para que Iris pudesse respirar e com isso uma das testemunhas me notou. Não havia pergunta alguma em seus olhos castanhos, apenas compaixão. Um senhor de idade aproximou-se de mim e perguntou-me se a conhecia, pois chorava demais por um desconhecido. Diante disso, o máximo que pude responder foi menear a cabeça, afirmando. Notei que nem era capaz de falar.

Do que eu era capaz, afinal?

Engoli em seco e percebi um incômodo na garganta do tamanho de uma bola de golfe, por gritar o máximo que pude para chamar sua atenção. De nada adiantou.

O que eu fiz?

Estava tão absorta em minhas falhas que não notei a troca de companhia; antes era um idoso gentil, agora uma adolescente. Ela falava ao celular e avisava a alguém sobre seu atrasado, causado por um acidente que a impossibilitaria de chegar no horário.

Desviei minha atenção da sua conversa e espiei novamente minha amiga. Alguém afastou algumas mechas de cabelo da sua face, e novos arranhões na bochecha sobressaiam de sua pele bronzeada.

A bolsa em meus braços vibrava sem parar, acompanhada de um zumbido e o despertar para o mundo real me fez agir pela primeira vez em muito tempo. Os braços doloridos enfim afrouxaram-se em volta da bolsa e automaticamente atendi ao celular da minha amiga.

Porém, não pude dizer uma só palavra novamente.

A adolescente se afastou e foi até Iris, iniciando uma conversa com a médica que ainda permanecia ao seu lado e verificava, a cada intervalo curto de tempo, se a ambulância se aproximava.

– Iris, finalmente atendeu. Sabe quantas vezes liguei para você? Fiquei preocupado até. Enfim, preciso conversar com você. Passo mais tarde no lugar de sempre? – ele falou, sem respirar.

Lágrimas e mais lágrimas molhavam a jardineira que vestia e embaçava as lentes dos óculos.

– Ei, está me ouvindo?

Devia ser capaz de falar. Pelo menos, dessa vez.

– Harper – solucei – é culpa minha.

– Laranj...Elizabeth, é você? O que está acontecendo? – ele pediu, calmamente.

– A Iris... ela... ela...

– Respira fundo e me conta, Elizabeth – aconselhou. – O que tem a Iris? – perguntou novamente, a voz oscilando entre a tranquilidade e o desespero.

– Ela – engoli as lágrimas – sofreu um acidente.

– Como sabe disso? – E então, o desespero. – Você está com ela?

– Estou.

– Me passa o endereço de onde vocês estão. – Novamente, ele assumiu a tranquilidade. Talvez ele tenha pensado que algum de nós precisava estar equilibrado. – Estou indo agora – avisou.

Nada mais pude pronunciar, nem mesmo o endereço do hospital que era perto da universidade. Então, o avisei que enviaria através de uma mensagem de texto e permaneci sentada na calçada. Infelizmente, no hospital infantil não atendia adultos senão ela já estaria sendo atendida e numa mesa de cirurgia, provavelmente.

A ambulância chegou, ao mesmo tempo em que Andrew estacionava uma motocicleta perto da multidão. Em seguida, empoleirou-se na maca em que levavam nossa amiga para a ambulância e conversou com os médicos. Em seguida, veio até mim. A agonia e a inquietude por nossa amiga me fizeram ver o quão próximos eles eram, pois Iris abriu brevemente os olhos enquanto era conduzida. Andrew afagou sua mão e a deixou em seguida, dirigindo a mim todo o afeto que seus olhos verdes poderiam transparecer, antes de sentar-se ao meu lado e fazer menção de me abraçar.

Infelizmente, ele não fez. Nesse momento, era o que mais necessitava e não me importaria se viesse dele.

– Eles a levarão para o hospital Sacred Torrent of Light...

– Eu quero acompanha-la – avisei, sem pensar na maneira que faria isso.

– Por isso que vim de moto – explicou-se, levantando-se do chão e dando algumas batidas nas pernas para limpar a sujeira. – Vamos juntos? – propôs. Embora me encolhesse quando ele agia sem pensar e sem querer encostava em mim, dessa vez ao ver sua mão esticada para auxiliar-me a levantar e também aceitar o convite proposto, a tomei.

Era assim que as pessoas normais se sentiam com os amigos, sem ser irmãos ou namorado? Talvez pudesse ser menos intolerante com Harper. Ele era amigo em comum de tantos amigos meus, e eu ainda o mantinha afastado como se fosse um leproso.

As pessoas mereciam uma segunda chance na vida, até mesmo eu que aproveitaria a minha assim que Iris despertasse e pudéssemos conversar. A determinação era uma das minhas qualidades principais e ela sabia disso mais do que ninguém. Sendo assim, enquanto viajávamos até o hospital em silêncio, repassava mentalmente o que falaria para ela e mais importante do que isso: pediria perdão por todas as minhas falhas.


Verão Inabalável (Livro 2) - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora