Ouvidos tampados, pés doloridos e o pensamento longe pra cacete.
Céus, o que estava acontecendo? Por que meu pai recebeu aquele envelope da minha chefe? Era óbvio o conteúdo, mas para que ele precisava do dinheiro dela?
Minha cabeça dava voltas e mais voltas, enquanto andava atordoada pelo salão até o camarim vazio para trocar de roupa. Precisava de tempo para processar tudo isso ou ligar para ele e perguntar. Ele me falaria a verdade, ele tinha que dizer o porquê daquilo.
E, como chegar ao assunto sem mencionar o motivo de estar nesse lugar? Seria burrice até para mim!
Parei na porta do camarim, irritada comigo mesma. Eu não servia para jogar xadrez, muito menos para planejar maneiras de conseguir o que queria sem ser prejudicada. Meu histórico de desilusões pesava mais na balança do que as minhas conquistas, mesmo tendo ideias brilhantes que de nada serviam quando a questão era viver em paz. Porém, no fim do dia eu ainda mantinha meu pai longe de toda a zona proibida da minha vida e por isso dormia em paz.
Não há como mexer em vespeiro sem levar umas picadas, então vou deixar as vespas dormirem em paz. Enquanto não me incomodarem, que morem o quanto quiserem na casa ao lado.
No entanto, eu poderia investigar. Correr atrás, comer pelas beiradas e chegar à origem. Sim, eu podia.
Sorri para a estrela colada na porta aberta e atravessei o camarim a passos lentos, sem olhar para as colegas de trabalho.
O cômodo era médio e haviam quatro mesas de maquiagem espalhadas em cada canto. No centro, a arara com nossos uniformes, fantasias, acessórios e sapatos alinhados no chão e a iluminação ficava por conta apenas dos espelhos camarim.
Mesmo que afastasse as gargalhadas e as conversas animadas pela noite de hoje, não conseguiria focar nos meus planos. Por isso nossa chefe exigia que deixássemos nossos problemas assim que passássemos pela porta, porque estaríamos focadas cem por cento em nosso trabalho. Ela tinha razão, pois eu também estive ansiosa a semana toda por esse evento e fiz questão de dedicar ainda mais tempo dessa vez para estar perfeita; cabelo, unha e drenagem linfática. A maquiagem ficava por minha conta, já que nunca encontrei ninguém que soubesse valorizar meu rosto tão bem quanto eu.
Embora o valor que ganhei no último fosse para largar essa vida, a vida me deu uma rasteira e eu precisei me levantar para ajudar meu pai com o pouco que consegui juntar. Portanto, hora de recuperar aquela grana e quem sabe dobrar a quantia.
Meu rosto estava uma bagunça. Nem os sachês de camomila, as compressas de água fria e as rodelas de pepino diminuíram as olheiras escuras debaixo dos olhos. Pelo menos, eu havia comprado novos corretivos. Caros.
– Iris – Monica pôs as mãos sobre meus ombros e eu me assustei, borrando o esfumaçado dos olhos. – Soube que tem alguém esperando por você no quarto 67. Madame Clayton pediu para avisar. – Aquele nome me fez enxergar no espelho meu pai, ela e Claude; um menino sem rosto.
Engoli em seco, plantando outro sorriso falso nos lábios ainda sem batom.
– Obrigada. –Limpei o borrado da sombra.
– Não demora – avisou. Com isso, seu olhar selvagem silenciosamente reforçou o recado, antes de sair e me deixar com as vespas que zumbiam na minha cabeça.
A observei falar com as meninas e sair pela porta que levava ao palco onde nos apresentaríamos hoje. Quer dizer, talvez eu não possa participar. A exclusividade começaria a contar a partir dessa noite, logo nada de apresentações para mim por tempo indeterminado. Se eu tivesse falado com ela saberia, mas tanto faz. A grana desse trabalho, tirando a porcentagem da casa, já tinha destino certo; contas a pagar, revisão do carro e uma multa por estacionar em local proibido.
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Verão Inabalável (Livro 2) - Completo
Fiction généraleLivro 2 da série "Estações Insólitas" Livro 1 - "Primavera Sem Rumo": https://www.wattpad.com/story/60735165-primavera-sem-rumo-livro-1 Uma nova estação. Um novo segredo para desvendar. E uma nova vida para explorar. Iris e seus amigos...