Capítulo 19 - Iris Thompson

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Casa dos Campbells: 22 de julho de 2015 – Quarta-feira, 9:54 p.m.


"Quando o segredo se torna difícil de guardar, de alguma forma, ele escorre entre os dedos."

Segredos faziam parte da minha vida desde o dia em que pensei que, me esconder das consequências era menos grave do que enfrentar o que estava por vir. Na verdade, era o caminho mais fácil. Não conhecia ninguém que se sentisse à vontade revelando uma merda que tenha feito só para ficar em paz com a sua consciência ou com quem estivesse ao redor. Acreditava que guardar era a melhor das soluções e eu me forçava a acreditar nisso conforme via o segredo escapar entre os dedos. Algumas pessoas admitiam quando percebiam que já não havia mais remédio, porém eu fazia o oposto: quanto mais pudesse enterrá-lo, melhor me sentia.

Por que mentir era ruim? Segundo meus pais, que ensinaram isso conforme eu crescia e ganhava consciência do que acontecia, era "inconcebível", como minha mãe costumava dizer. Ela e suas palavras difíceis, que só queriam dizer o quão hipócrita ela era desde cedo e que seus "ensinamentos" não serviam de nada. Aliás, serviam sim. Crianças se espelhavam nos pais, afinal, que outro exemplo poderíamos ter senão os que nos acompanhavam ali, todos os dias? Consequências? Palavrinha tão bonita na boca de quem ameaçava tirar as coisas que mais gostava, mas quando ela entrava no palco para atuar com um sorriso no rosto não existia. Ela era inatingível – outra palavra que ensinou. Talvez ela mentisse tão bem – e hoje eu via que sim – que nunca sofria com elas. A hipocrisia e a mentira eu aprendi com ela e, foi com esse exemplo maravilhoso que decidi contar a minha primeira para esconder o meu segredo.

A única luz, que vinha da porta entreaberta, formava uma linha meio torta sobre a cama de casal. O quarto escuro oferecia o conforto que precisava, enquanto observava o traço que claramente lembrava a minha vida e era por causa disso que, em silêncio, me forçava a pensar em maneiras de ajeitar o que vinha fazendo. Ninguém poderia me ajudar dessa vez. Dona Eliza, dona do quarto onde me escondia como uma criança que mentiu mais uma vez para todos, estava trabalhando.

Ainda bem que, naquele dia, eu pude contar com ela embora o meu peso fosse menor do que o que vinha carregando. Engraçado como a arte imitava a vida e, a partir do momento em que me identifiquei com uma das séries que assistia, ouvi um estalo. Descobri que dona Eliza era a Lorelai, mãe da Rory. E eu... bem, eu era a Lane.

Minha mãe sempre brigou comigo por todos os motivos imagináveis e inimagináveis também, e vivia de castigo. Já não comia doces para que ela usasse isso como punição por não ter feito o dever de casa ou ter sujado sua maravilhosa casa de bonecas, como ela tratava a mansão onde meus pais moravam. Não tinha poeira, não tinha sujeira, nem desordem em sua perfeita casinha.

Um dia, voltando de uma feliz noite de Halloween entrei correndo pelo corredor de mármore. Debaixo do braço, carregava uma bolsa cheia de doces e no rosto, um grande sorriso de quem havia realizado um sonho. Fantasiada de ursinha, foi a primeira vez que minha mãe finalmente deixou que passeasse pela vizinhança para recolher doces, estabelecendo uma condição: que não fosse sozinha. Desde Brighton, Liz e eu não nos largávamos e fiz questão de ir até a casa dela para que me fizesse companhia.

Antes dessa vez, eu apenas me vestia a mesma velha fantasia e observava as crianças através da janela, com suas cestas cheias de balas e gomas de mascar.

Meu pai, que naquele ano havia me liberado para só ir atrás dos doces por duas horas, nos acompanhou para que eu cumprisse o combinado. Minha mãe era muito dura em se tratando de horários, castigos e doces. Mas, abriu uma exceção quando ele garantiu que ela não precisaria se preocupar com isso. Nunca entendi o porquê dele sempre ter que garantir algo. Afinal, ele também era responsável por mim.

Verão Inabalável (Livro 2) - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora