Capítulo 32 - Iris Thompson

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– Mais uma – pedi ao garçom. A gravata borboleta do seu uniforme por pouco não fez cócegas em minha bochecha, enquanto exigia outra taça de cerveja. – Por favor – complementei, antes de soltar seu braço para que pudesse me ouvir melhor.

A música romântica preenchia o bistrô francês. Mesas vazias à frente, ao lado alguns casais aproveitavam a pouca iluminação do lugar e atrás de mim a vidraça, que distraiu meu pai das nossas conversas sobre negócios, minha mãe e seus ataques pela falência da nossa família. Cansado, ele assistiu aos carros passarem e parava de falar. Depois, me perguntava onde havia parado e eu o provocava com uma piadinha ou outra sobre sua memória. Em resposta, ele sorria e bebia mais um gole da sua bebida alaranjada com uma rodela de laranja no fundo. Além dessa distração, tive que dividir a atenção dele com o celular, que tocava a cada dez minutos uma música de sua banda de rock favorita dos anos 60 e interrompia a nossa conversa. Incomodada com as pausas, ele resolveu atender ao celular longe de mim antes que eu mesma fizesse isso. Minha mãe podia esperar um pouco mais.

Por este motivo, não me importei em jogar um pouquinho de charme para cima do garçom. Eu não estava morta e ele estava gostando. A nossa troca de olhares reforçou o flerte e, quando espiei sua pélvis mordendo o lábio inferior, ele engoliu em seco, anotou apressadamente algo em um guardanapo e me entregou sem cerimônia. Como ainda estávamos a sós, não se incomodou em dar uma piscadela exagerada e ir atrás do meu pedido segundos depois, mas não sem antes esbarrar numa senhora que passava lentamente com a ajuda de uma bengala. A bandeja que ele segurava por pouco não foi ao chão.

Quase caí na gargalhada assim que se ele sumiu, ainda atordoado com o tropeço. Homens não sabiam flertar discretamente e era divertido de se ver.

Nunca tive um dia tão feliz quanto hoje, onde a calmaria veio até mim. De tanto rir, lágrimas saíam dos meus olhos, mas logo as sequei com o guardanapo para não borrar a maquiagem.

Ainda sorrindo, foquei nas pessoas que iam e vinham e assim soltei um breve suspiro. Na noite anterior, pouco antes do estabelecimento fechar, consegui pagar diversas contas atrasadas, e até sobraram uns trocados para pagar por esse jantar. Inclusive, já havia feito as contas de cabeça: comeria uma salada, depois sopa de cebola e de sobremesa, crème brûlée. Nada de carne. Até evitava olhar ao redor, senão embrulharia meu estômago.

E, claro, não podia faltar a amiga de todas as horas: a cerveja. Ela era uma boa combinação a não ser quando o garçom demorava demais para trazer outra taça como pedi. Irritada, procurei por ele no meio do grupo perto da cozinha e o encontrei mais comportado do que quando saiu, e sorri. Eu não iria esquecer tão cedo da nossa piada particular, enquanto ele trazia a minha companheira de todas as horas numa bandeja prateada. Sorridente, o agradeci e peguei aquela que entendia minhas noites solitárias e não reclamava das minhas confissões.

Levei-a aos lábios, manchando a beirada com o que sobrou do gloss vermelho escarlate.

– E a universidade, ursinha? – meu pai perguntou. Quando foi que ele voltou?

Dei de ombros, desviei o olhar da mancha e foquei seus olhos azuis como o céu.

– Não poderia estar melhor, pai – afirmei, com sutileza.

Lambi os lábios.

– E o dormitório? Está tudo bem também?

Eu sabia aonde meu pai queria chegar com essas perguntas. Dei uma boa golada na cerveja, antes de responder:

– Está tudo bem, pai. Não tem porque se preocupar. Estou conseguindo me manter financeiramente, se quer saber. – Limpei o canto da boca com o guardanapo. - Inclusive, quero pagar nosso jantar.

Verão Inabalável (Livro 2) - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora