A Chegada

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- Você pode repetir o porquê de eu, de repente, ter que preparar minhas malas para ir morar na casa de uma amiga sua?

Minha mãe não queria mais ouvir aquela pergunta, mas o que eu poderia fazer? Aquela súbita mudança ainda era algo com o qual eu não estava acostumado, e eu não tinha motivações para pensar diferente. Mesmo quando ela me dizia as razões de achar uma boa ideia eu me mudar para a casa da amiga, momentos depois, tudo se apagava da minha mente como se eu não tivesse ouvido uma palavra sequer.

- Vamos lá, eu repito - ela disse, girando o volante do carro, fazendo uma curva lenta como estava seu raciocínio naquela tarde. - Eu e seu pai fomos convocados pela empresa para ir trabalhar em outra região, em outro estado, durante alguns meses, três, no máximo. A empresa vai pagar todas as nossas despesas de hospedagem? Vai.

- E por que eu não posso ir com vocês?

- Porque essas despesas não incluem filhos.

- Uau. Tudo isso me parece bastante absurdo.

- Eu sei. Mas a grana que vamos levantar é boa. Quando voltarmos com um carro novo para você, você vai entender do que estou falando.

A mente da minha mãe era muito limitada. Ela imaginava que, com a promessa de um carro, eu aceitaria facilmente o afastamento dela e do meu pai - e ele, após a separação, nem morava mais em casa. Era uma atitude supérflua, mas ela nunca se mostrou uma pessoa cheia de sentimentos ou boas intenções.

Gostava de se favorecer e supria a carência alheia com presentes. Mais uma vez, eu teria que me acostumar com isso.

- Em que parte do Maine você disse que ela mora, mesmo? - perguntei, começando meu trabalho de conformismo.

- Portland. É uma cidade bem bonitinha, com cara de zona urbana mesmo. Não vou dizer que ela se parece com Nova Iorque, porque não se parece. Mas acho que você vai se habituar. E vai conseguir terminar o colégio, também, porque Angelina vai te matricular na mesma escola em que o filho dela está matriculado, uma de que falou muito, fazendo ótima propaganda.

- Não deve haver tantas escolas no Maine.

- Não estou te levando para a roça, Blaine. Deixe essas implicâncias um pouco de lado. Vai ficar tudo bem.

A viagem levou tempo demais e eu não consegui ficar acordado durante todo o trajeto. Quando acordei, já estava em uma estrada fina, cercada por vastas florestas de grandes árvores que nunca pareciam ter fim.

Senti-me como em um dos contos de terror do Stephen King, como se me dirigisse para o perigo de livre e espontânea vontade. Morar no Maine devia ser um sonho para quem era fã do escritor, mas, para mim, no momento, não era nem um pouco animador, ainda que minha mãe prometesse que eu só ficaria por lá por, no máximo, três meses.

A cidade logo veio à tona, mas, sonolento como eu estava, qualquer paisagem poderia surgir e ir embora diante dos meus olhos que eu não perceberia o momento exato em que uma terminara para a outra começar.

De fato, Portland tinha sua parte de zona urbana e, de fato, ela não lembrava em nada Nova Iorque. Mesmo assim, parecia um lugar agradável e, durante um segundo, eu me deparei animado com a perspectiva de passar um tempo por lá.

- Essa sua amiga é legal? - perguntei para minha mãe, rouco de sono.

- Sim, senão não seria minha amiga, não é verdade?

- Queria que fosse sincera.

- Bem, ela tem os seus defeitos... Quando se separou do marido e veio com o filho para o Maine, ela entrou em depressão e começou a tapar o vazio em seu peito com doces. Engordou um pouco, segundo as fotos que vi na página dela do Facebook, e parece muito ansiosa, pelas coisas que anda compartilhando. Mas é uma pessoa que sabe conciliar suas emoções e vai tratar você muito bem. Conheço-a desde menina, e, já naquela idade, fazíamos promessas de que cuidaríamos do filho uma da outra nos momentos de necessidade.

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