O Amigo Ainda Está Lá

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“Bulking é o processo utilizado por atletas para ganhar peso e massa muscular”, começava dizendo o primeiro texto de aspecto aparentemente confiável que encontrei na internet. “O objetivo é consumir mais calorias do que você é capaz de queimar e, de preferência, de fontes saudáveis, como carnes magras, Whey Protein, laticínios light e ovos”.

O silêncio vindo do quarto de Sam era perturbador.

Eu tinha deixado a porta do meu quarto aberta, na esperança de que a passagem de som se tornasse mais fácil, mas nem essa estratégia parecia ter sido eficaz. A porta do quarto de Sam continuava fechada e imóvel como se guardasse dois corpos há muito tempo falecidos, como aqueles santuários de pedra que se pode comprar em cemitérios pelo preço de uma moto Harley Davidson e que guardará seu corpo pelo resto dos tempos, enquanto ninguém violá-lo e roubar seus ossos para algum culto demoníaco.

“O objetivo aqui é ganhar o máximo possível de massa muscular, ao mesmo tempo em que se minimiza o ganho de gordura”. Meus olhos quase se fechavam enquanto eu mirava a tela do notebook, mas eu me obrigava a manter a atenção. “A dieta é hipercalórica, e há um maior consumo de carboidratos complexos, como pão e arroz integral”.

Eu começava a suspeitar dessa minha primeira hipótese. Será que Sam e Ralph não tinham se matado dentro do quarto? Quer dizer, os dois haviam se mostrado tão barulhentos à mesa do almoço que se tornava quase irônico imaginá-los ali, sentados e quietinhos como geralmente os pais esperam que seus filhos sejam.

“Você pode até ganhar peso mais rápido comendo fast food, sorvete e outras guloseimas todos os dias, mas, no fim das contas, vai perceber que o que você ganhou foi quase nada de músculo, e sim água e gordura”.

Eu não conseguia mais prestar atenção naquele texto. Precisava averiguar o que estava acontecendo, senão não conseguiria fazer mais nada naquele dia.

Eu tentava me lembrar de como haviam sido meus breves “encontros” com Sam enquanto me encaminhava até o seu quarto. Tinham sido silenciosos? Tinham, sim. Muito. Sam era discreto, do tipo que sussurrava ordens. Segundo o que eu pudera entender desse costume, ele o fazia porque gostava de fazer coisas escondido. Seu corpo lapidado podia muito bem estar sobre o de Ralph agora – ou ao contrário, quem saberia? –, e seus beijos nos lábios emoldurados de barba do amigo podiam muito bem ser tão silenciosos quanto os que ele dera em mim.

Por que outro motivo eles fechariam a porta, afinal?
Consegui imaginar o que a voz de Sam diria em sua mente quando eu bati duas vezes em sua porta:

“Por que diabos alguém viria até a porta do meu quarto agora, quando eu deixei claro que não queria ser atrapalhado por ninguém?”

Sam abriu a porta mais rápido do que eu imaginei que faria. Convenhamos que, quando fazemos algo de errado e alguém vem nos importunar com uma batida na porta, a gente anuncia algo como “Já vou, um instante!” e varre para longe qualquer “sujeira” que possa aguçar a desconfiança da pessoa que nos procura. Mesmo esse anúncio de alguém que “já vai” é suspeito, mas não pensamos com muita razão quando tudo o que queremos é nos livrar de uma possível má impressão, não é mesmo?

Mas Sam não passou por esse ritual. Seus passos vieram até a porta como os de uma pessoa que simplesmente se levanta de onde está sentado e se dirige à porta. Abriu-a inteiramente, como se não tivesse o menor receio de que vissem o que ele fazia. E eu vi.

Vi Ralph sentado na cama, com um livro enorme aberto sobre as pernas, as mãos apoiadas na cama e o olhar sério voltado na direção da porta. Era um olhar diferente do de Sam, que trazia um quê de indagador, como se pedisse uma explicação sem dizer uma palavra sequer. Somente diante dessa cena que eu percebi que devia ter pensado em um plano antes de começar a bagunça que eu acabara de iniciar.

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