A Barata

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Não voltei a falar com Sam naquele dia e nem boa parte dos dias seguintes, pelos menos sobre nada além do essencial. Trocamos informações sobre a separação dos lixos e sobre o que seria servido no almoço. Falamos pouco sobre a festa, e ele contou algumas histórias que achava engraçadas. Falou que alguns dos seus amigos ficaram no zero a zero. Mas em nenhum momento pôs em pauta o beijo que supostamente tinha me dado.

E eu agora encarava esse beijo como suposto porque começava a duvidar de que algo tivesse acontecido mesmo. Não havia como ter sido real, porque Sam era tão convincente com sua atitude de que tudo estava normal, de que não sabia do que eu estava falando quando tentei tocar no assunto, que eu começava a duvidar da minha própria sanidade.

Vai ver era a bebida. Aos poucos, eu ia tendo certeza disso.

Almoçamos – Almocei, para falar a verdade, porque Sam apenas brincou com as bolas de carne em seu prato e jogou tudo fora depois – em silêncio. Eu teria ido à loucura se o rádio não estivesse ligado, mas também não era como se eu estivesse completamente são, afinal, não aguentava mais ouvir Blues. Quando terminamos a refeição e lavamos as louças, eu subi para o meu quarto e escutei o que realmente gostava. Nunca eu tinha sentido tanta falta de Rock Indie quanto naqueles dias.

Passei boa parte da tarde cochilando e ouvindo os braços de Sam cortarem a água da piscina. Aquele era um passatempo de que ele gostava muito, ficar nadando, e às vezes podia passar um dia inteiro fazendo aquilo. Em uma das ocasiões, ele até me convidou para fazer parte da atividade, mas eu disse que não podia, mentindo sobre não saber nadar. Ele até se propôs a me ensinar, mas eu recusei, dessa vez alegando dor de cabeça.

Também era esse jeito (às vezes) amigável de Sam que me causava tanta confusão. Eu já havia aprendido que, nas primeiras horas dom dia, ele não era a melhor pessoa do mundo, porém, quando esse tempo terminava, Sam voltava a ser o cara falastrão, piadista e gente fina de sempre. Tinha horas que ele parecia querer me expulsar de sua casa, dizendo que eu era uma visita indesejada, mas em outras ele fazia de tudo para eu me sentir o mais confortável possível.

E aquilo era uma tortura, porque alimentava uma suspeita que eu já andava tendo há algum tempo: o beijo que ele me dera fora apenas um reflexo do meu subconsciente, uma manifestação de um desejo que eu tinha. Era uma coincidência muito grande que, horas depois de eu ter percebido que estava apaixonado por ele, ele tivesse surgido na porta do meu quarto para me beijar, não era? E eu tinha bebido. O sonho, portanto, era apenas um jeito que minha mente arranjara de justificar o jeito legal de Sam comigo, de fazer com que a realidade fosse melhor, quando eu devia saber que, na verdade, Sam era daquele jeito com todo mundo, e não só comigo.

Ou pelo menos assim eu imaginava.

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Ao final da primeira semana do afastamento de Angelina, percebi que as flores do seu jardim começaram a demonstrar os primeiros sinais de abandono. Eu não entendia nada de jardinagem, e duvidava que a internet pudesse me dar uma aula pelo menos boa sobre o assunto, então foi pura e simplesmente por conta disso que procurei Sam naquela noite, porque eu estava preocupado com as flores.

– Quando sua mãe volta? – perguntei, à porta de seu quarto.

Sam me provocava com o jeito como se comportava, e o pior era que eu não tinha como saber se ele sabia disso e se se aproveitava da situação ou não. Quando o abordei, ele estava deitado, como costumava estar, com os braços cruzados embaixo da cabeça, batucando o ar com um dos pés, que estavam cruzados, no ritmo da música que tocava em seus fones de ouvido. Vestia apenas uma bermuda, e era isso o que me deixava tão pouco à vontade na presença dele.

– Amanhã de manhã eu acho que ela está por aí – ele respondeu.

– Ah, claro. Vou tomar um banho.

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