A Explicação

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Se já não estivesse claro o suficiente, agora era oficial: eu estava obcecado por Sam.

E isso estava claro porque o tratamento que ele destinava a mim não era dos mais respeitosos, amorosos ou afetuosos e, ainda assim, eu o queria por perto. Eu o queria para mim. Torcia para que tivéssemos oportunidade de ficar um perto do outro, apreciava quando sentávamos àquela minúscula mesa que sua pequena família usava para fazer as refeições, porque ela nos forçava a ficar próximos e porque o cheiro preso à gola da camiseta de Sam ficava mais acessível. Eu gostava de olhar para os seus dedos; dedos brancos de unhas rosadas, às vezes feridos porque ele roia as unhas. Gostava como ele segurava o volante do carro ou sua caneca de café.

E gostava do jeito como ele me fazia sentir desejado quando me surpreendia com seus pedidos absurdos.

Eu guardava a lembrança dos momentos com riqueza de detalhes, pois gostava de repassá-los e me masturbar com essas imagens. O dia em que Sam entrara no meu quarto e me roubara
o fôlego um beijo. As vezes em que pude sentir seu pênis contra o meu corpo. Seu hálito dentro da minha boca ou atrás da minha orelha. A aspereza de sua pele quando eu o tocava onde quer que fosse. Essas eram recordações que eu guardava em potes devidamente selados e muito bem localizados, para fácil acesso.

Porque sempre havia a possibilidade de Sam desistir de continuar com aquilo. Claro os pensamentos iam e vinham antes de Sam me surpreender com uma nova peripécia sexual, mas quando ele ficava muito tempo fazendo de conta que eu não existia era fácil pensar que, daquela vez, tinha acabado, já era, havia sido bom enquanto tinha durado. Sam era um homem dos pés à cabeça e, como um ser que exala e funciona em função de sua testosterona, ele tinha interesses mais importantes do que um garoto de Nova Iorque e seu corpo pouco definido. Talvez ele até gostasse de sair com meninas, o que eu não achava improvável, já que ele sempre saía com seus amigos para fazer “algo” do qual nunca falava.

– E por que você não vai com eles, querido? – Angelina costumava me perguntar quando Sam saía, geralmente à noite, quando ela estava lavando a louça do jantar.

– Porque tenho que estudar – era a desculpa que eu dava mesmo que aquele fosse um dia útil, mesmo que fosse um fim de semana, mesmo que fosse sexta-feira à noite, mesmo que eu não tivesse prova ou trabalho nenhum à vista. Era a forma que eu encontrava de enganar Angelina e aliviar o pensamento de que eu e Sam não éramos amigos e justificar para o universo o porquê de eu não querer fazer parte de seu círculo social.

Mas a verdade era que eu não suportava o jeito como Sam me tratava quando não estava pressionando seu pau contra mim ou me forçando a masturbá-lo. Era um jeito indiferente que me fazia parecer alguém invisível. Ele me esperava todos os dias para me dar carona para a escola, mas o fazia como alguém que faz um favor ao levar o lixo para a lixeira. Me esperava também na volta e até me ligava quando eu demorava um pouco mais para aparecer, mas o fazia não porque gostasse de mim, mas porque se importava com o meu bem estar, o que era pura e simplesmente um atitude ética da sua parte, e não amorosa.

E talvez tenha sido por conta dessa busca por uma atenção maior de Sam que eu acabei por deixar de me interessar por qualquer outro garoto que pudesse surgir na minha frente.

E surgiram alguns. Alguns eram tão gays que não causavam mistério, mas um deles tentava chamar a minha atenção de maneira discreta, quase imperceptível. Duvido que um garoto interessado por garotas teria notado aqueles olhares.

Quando eu organizava as minhas coisas em meu armário, lá estava ele, a cinquenta metros de distância, arrumando as próprias coisas em seu armário e olhando na minha direção. Não demorava mais do que dois segundos fazendo isso, mas eu o notava, e isso já era o bastante. Era um garoto alto, bastante magro, de olhar quase maldoso e sorriso grande. O cabelo estava sempre organizado em um topete incomum, digno de ter sido moda nos anos sessenta. Eu não sabia o seu nome e nem de que classe ele era, mas eu não me importava. Ele, assim como todo outro garoto que chamasse a minha atenção ou por estar com os braços à mostra ou porque era simplesmente um cara bonito, era preto e branco. Colorido mesmo era o Sam.

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