O Intervalo

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Sam não voltou a aparecer tão cedo.

Nesse meio tempo, eu fiquei na sala de estar, fingindo interesse em um livro de Linguagem (ainda que não estivesse tão dedicado a fazer o trabalho que Sam pensara em fazer com Ralph, eu precisava fazê-lo e esperava que aquela falsa leitura me ajudasse a conseguir algo). Angelina não deu falta do filho tão cedo; na cozinha, dedicada agora a preparar o jantar, ela cantarolava “Best Song Ever” do One Direction ao mesmo tempo em que picava salsinha sobre uma tábua de madeira.

Queria eu estar tão tranquilo quanto ela. Meus dedos até podiam correr as letras dos enormes textos que aquele pesado livro carregava, mas minha atenção, minha mente e meus olhos estavam em outro lugar. Eu pensava no que Sam podia estar fazendo agora.

Ele não saíra com o carro, então talvez não tivesse ido longe. Aquela região de Portland não era necessariamente extensa, então a maioria dos alunos da escola em que estudávamos morava bastante próxima. Boa parte deles, inclusive, morava naquela mesma rua. Eu não sabia se era esse o caso de Ralph (ainda que não fizesse o menor sentido querer chamar para o almoço alguém que mora logo ali), mas esperava que fosse. Já era noite e eu não queria que Sam corresse os riscos que ela oferecia.

Não que o bairro fosse perigoso. Não era.

Mas, ao mesmo tempo, eu tinha medo de que Sam estivesse fazendo algo tolo, e as suposições que eu tinha para isso eram inúmeras. Em uma delas, Sam esmurrava a porta da casa de Ralph, exigindo que o garoto abrisse aquela porra de porta antes que ele a derrubasse com os ombros. Eu nunca vira Sam revoltado de verdade, mas, na minha mente, essa não parecia uma hipótese tão absurda. Eu também imaginava Sam se jogando sobre Ralph como um jogador de rúgbi, derrubando-o no chão e desacordando-o com uma série de socos. Era ainda uma atitude mais agressiva do que provavelmente Sam teria, mas como eu não sabia ao certo o que motivara a ira de Ralph, qualquer hipótese parecia válida.

Talvez Sam não estivesse em casa porque a polícia o pegara na rua. Talvez ainda não tivesse voltado porque o corpo de Ralph não estava só desacordado, mas morto, e Sam seria preso imediatamente, em flagrante, com o sangue do ex-amigo nas mãos.

Quando menos pude perceber, eu estava olhando para a janela da sala de estar, que dava para a rua, os olhos arregalados, a boca aberta em sinal de espanto, como se eu tivesse acabado de ver alguém morto. Eu tinha consciência dessa expressão porque, instantes depois, percebi que estava olhando para o meu próprio reflexo no vidro da janela, contemplando aquela cara cômica de alguém que se deixa apavorar com os próprios pensamentos. E então eu ri.

Ri porque estava tão paranoico que acabei por levantar suspeitas absurdas e não tinha o menor interesse em duvidar delas. Sam não mataria ninguém. Eu não o conhecia tempo suficiente para afirmar esse tipo de coisa com certeza, mas podia dizer que Sam não tinha o tipo de um assassino, mesmo que Stephen King já tivesse ambientado vários dos seus livros de terror no Maine. Sam não era um potencial psicopata, era só alguém que valorizava a amizade de um cara e que sairia correndo atrás dele, se fosse preciso, para preservá-la.

Amizade de um cara...?

– Blaine, querido, sabe se o Sam está por aqui? – perguntou Angelina, me acordando do transe de uma vez só.

– Você... Você não sabe? – eu questionei. Eu imaginava que Angelina soubesse que Sam não estava em casa e só não tivesse se importado com a sua ausência ainda.

– Do quê?

Se ela não sabia da fuga de Sam à procura de Ralph, não seria eu a pessoa a contar.

– Que ele não está em casa – eu disse, enrolando. – Achei que soubesse. Ele saiu com o Ralph.

– Ah, claro. Devem ter ido se juntar aos outros garotos.

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