O Semáforo

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A primeira coisa em que pensei naquela manhã, após desativar o despertador com alguns tapas e afastar os cobertores de cima do meu corpo, foi: e se eu tomasse a iniciativa com Sam?

Não me lembro de a ideia ter me ocorrido antes, mas, assim que me surgiu naquela manhã, percebi a quantidade enorme de sentido que ela fazia. Por que não podia ser eu a pessoa a abordá-lo e forçar algo? Quer dizer, acesso ao seu corpo ele já tinha me concedido – não uma vez, mas uma porção.

Acho que quando você tem o pau inteiro de alguém dentro da boca é sinal de que há intimidade suficiente entre você dois, não? Esse pensamento também fazia sentido para mim.

Enquanto me trocava para ir à escola, eu confabulava sobre o assunto. Claro, Sam parecia uma máquina voraz quando estava excitado, mas sexo não era algo que se fazia sozinho, portanto, ele precisava de alguém para sanar sua vontade. E esse alguém precisava ter tanta vontade quanto ele de se sujeitar às suas aventuras sexuais, pois, do contrário, seria um estupro – e eu não me considerava abusado por Sam ainda, afinal, querendo ou não, eu queria que ele fizesse o que fizera em todas as oportunidades que tivera de fazer o que fizera. Eu sempre o queria.

Eu sempre o queria.

Então por que eu não tomava a iniciativa?

Sentado à minúscula mesa de café da manhã com Angelina e Sam, eu o observava em silêncio.

Naquela manhã, não havia muito assunto entre nós, e até Angelina, que geralmente era uma máquina de despejar palavras, parecia bastante confortável com o silêncio. Raspava o conteúdo de sua tigela, uma mistura de leite e grãos de linhaça cujo cheiro me causava náuseas, e suspirava vez ou outra.

Sam, por outro lado, parecia bastante focado em um folheto sobre o retorno de Jesus que, misteriosamente, viera parar naquela mesa. Era comum que houvesse evangelizadores pelas ruas de Portland, principalmente nos em tornos da escola, pois muitos desses evangelizadores acreditavam que alunos de escolas públicas poderiam debandar para o mau caminho em algum momento, aceitando o convite das drogas ou fazendo sexo antes do casamento. Sam devia ter apanhado aquele panfleto por lá, e o trouxera consigo de forma inconsciente, sem saber muito bem o que fazia. Agora o lia não porque queria aprender um pouco mais sobre o retorno de Jesus ao planeta Terra, mas porque queria se distrair com algo. Afinal, nem o rádio estava ligado na cozinha.

– Está tudo bem? – eu perguntei, dirigindo-me à Angelina.

Sam, por uma fração de instante, levantou o olhar do folheto e olhou para mim. Aquele olhar distraído, de sobrancelhas erguidas, de alguém que quer apenas verificar a origem da voz, me causou arrepios em um dos braços, porque era assim que eu sempre me sentia sobre Sam. Talvez fosse assim que os evangelizadores se sentissem com a proximidade de seus pastores, alguém que tanto idolatravam e cuja presença era capaz de não só abalar os seus ânimos, mas também de lhes fazer dizer besteiras, palavras mal colocadas, e rir a todo instante como alguém durante uma crise nervosa.

Às vezes (e eu estou sendo bem bondoso ao dizer que isso acontecia às vezes), eu me sentia assim a respeito de Sam.

– Está, querido – Angelina respondeu, apoiando a cabeça na mão. – Só não estou conseguindo lidar muito bem com...

Sam foi mais esperto do que eu quando notou a aproximação da mão de Angelina do ventre, provavelmente indicando que a dor estava ali – uma cólica –, então se manifestou antes que a mãe pudesse se pronunciar.

– Conversa de mulher, mãe!

– Oh, é verdade... – ela disse e suspirou pesarosamente. – Às vezes, sinto falta de uma mulher aqui em casa.

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