A Aula de Ciências

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A convivência com Sam não tendeu a melhorar com o tempo. Na verdade, com o passar dos dias, tudo pareceu piorar.

Não éramos muito de dialogar. Seu quarto ficava em frente ao meu e, em situações cotidianas, não conversávamos mais do que o necessário.

Fisicamente, só ficávamos próximos de verdade quando sua mãe nos obrigava a fazer as refeições à mesa (e isso só quando estava por perto, porque, por exemplo, quando almoçávamos, Sam gostava de fazer isso no sofá, e tomava um sofá de três lugares apenas para si) ou quando ele me dava carona para a escola, o que acontecia basicamente todo dia. Nem nesses momentos conversávamos muito. Se havia algum diálogo, ele vinha de mim, que ficava falando sozinho, e as únicas demonstrações de atenção ao que eu falava que Sam demonstrava vinham dos “uhum” que de vez em quando ele dizia ou dos risos curtos que dava quando eu contava alguma situação engraçada.

Mas não éramos amigos. Por Deus, a gente não era nem colega! Morávamos na mesma casa, mas, na escola, sempre parecia que éramos completos estranhos. Mesmo as pessoas mais observadoras e atenciosas suspeitariam de morarmos na mesma casa realmente. Sam era muito discreto quando queria e sabia, como ninguém, fazer de conta que não me conhecia quando seus olhos corriam por mim nos corredores. Ou quando tínhamos a mesma aula, geralmente a de Ciências, que acontecia em um laboratório limpo, refrigerado e com cheiro de formol.

Quando eu parava para pensar no assunto, sempre concluía a mesma coisa: as coisas entre nós haviam mudado no dia em que ele invadira o meu colchão, pressionara seu pênis contra a minha bunda e então tivera que levantar correndo porque a mãe acabara de chegar de viagem. O que, por sua vez, me levava a pensar se a culpa da frieza dele não era da mãe; quer dizer, se ele tivesse ido até o fim comigo, será que tudo estaria melhor? Será que Angelina não podia escolher um momento mais oportuno para aparecer e atrapalhar a vida de alguém? Isso era frustrante!

Mas a verdade mesmo era que tudo começara a mudar entre a gente no dia em que ele invadiu o meu quarto e me beijou.

Até hoje, eu não entendia muito bem o propósito daquilo, e eu podia jurar que ficaria sem entender pelo resto da vida. Mas também não vou mentir; como um adolescente com os hormônios à flor da pele, em meus sonhos eróticos mais profundos, homens como o Sam costumavam aparecer me desejando como uma pessoa com sede pode desejar um copo de água, e sonhos assim eram legais. A realidade com Sam era tão fascinante quanto, mas a incerteza do que havia entre a gente adicionava um gosto amargo à situação. Quando ele me tocava – nas vezes em que ele me tocou –, era mágico e único, perfeito, tão bom que sempre me deixava com vontade de mais. Mas eu nunca sabia se iria ter mais. E o jeito como ele tratava a coisa, fazendo de conta que nada de mais acontecia entre a gente, quase me fazia pensar que talvez nada estivesse acontecendo mesmo, que o que eu “achava” que acontecia era apenas fruto da imaginação de uma mente bêbada com álcool ou com vontade de dormir.

Mas, quando acontecia, parecia tão real.
E ficou sem acontecer por um bom tempo, a ponto de eu achar que Sam tinha desistido de mim e do meu corpo magro, da minha companhia. Uma pena que eu não tivesse desistido dele com a mesma facilidade.

Uma pena imensa mesmo!

Naquele dia, fomos à escola como sempre fazíamos. Sam ligou o rádio, tocando aquelas músicas caipira que há tempos eu odiava, mas com as quais já começava a me acostumar. Suas mãos, brancas como se nunca tomassem sol, manejavam o volante, arrastavam-se até a marcha do carro (ou o que quer que fosse aquela alavanca que ele sempre acionava), e eu, por tudo, desejava poder embrenhar meus dedos nelas. Sinais de que eu estava apaixonado por ele, obviamente, mas, como boa parte das paixões do mundo, aquela era uma que jamais seria retribuída.

Quando chegamos à escola, antes de deixarmos o carro, ele me deu alguns avisos, dizendo que, depois da aula, teríamos que passar no mercado para comprar alguns mantimentos que sua mãe pedira, mas que ele estava muito a fim de um pote de sorvete também, e o que eu achava sobre isso? Por mim, tudo bem, foi o que respondi. E então, quando deixamos o carro, ele voltou a agir como se tivesse apenas dado carona para um estranho que encontrara na rua, como se tivesse feito sua boa ação do dia.

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