A Escola

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A minha primeira ida à escola em Portland tinha tudo para ser inesquecível, pelos bons ou pelos maus motivos. Sendo assim, quando fui me deitar no domingo, instantes depois de ajustar o despertador para bem cedo, tive uma súbita compreensão de que não conseguiria dormir naquela noite. E estava certo.

Revirei-me na cama o tempo todo, adormecendo e acordando, tendo os mais loucos devaneios que envolviam o fato de eu não conhecer o Maine e achar que qualquer uma daquelas pessoas tinha potencial de ser um assassino em série (culpa do Stephen King!) e o de Sam estar tão perto de mim, a alguns metros do meu quarto. Em um desses devaneios, ao abrir os olhos, eu pude inclusive jurar que ele estava à minha porta, me observando com os braços cruzados, tateando o carpete com o pé como fizera no passado, mas, quando eu fechava os olhos e tornava a abri-los, ele não estava mais lá.

Acordei com o toque do despertador e o estapeei de qualquer jeito. Uma noite tão mal dormida fez com que eu me sentisse ainda mais cansado do que quando fora me deitar. Vesti-me com roupas simples, sem exagerar para evitar atenções indesejadas, e, uma vez pronto, desci as escadas até a cozinha, onde Sam e sua mãe já estavam.

– Bom dia, querido! – saudou Angelina, que caminhava apressada com uma garrafa de café na mão.

– Bom dia – eu respondi e desviei o olhar para Sam, que mastigava lentamente um pedaço de torrada, à mesa, enquanto fitava a própria caneca. Havia dizeres nela, e eu já os conhecia, porque usara aquela caneca no dia anterior e também gastara um tempo lendo o que estava escrito nela. Eram frases motivadoras de amor e de boa convivência.

Mas, resumindo o conjunto da obra, Sam não olhou para mim.

– Alimente-se bem! Há torradas, pães, bolo e massa pronta para panquecas – Angelina dizia –, mas não vou conseguir preparar nenhuma agora, porque estou com muita pressa. Você sabe preparar panquecas, Blaine?

– Sei, mas as torradas estão de bom tamanho.

– Você decide, querido. – Lavou as mãos na torneira da pia e as secou no primeiro pano que encontrou. – Tenho que fazer a compra dos mantimentos, porque vou ficar uma semana fora e quero que tudo esteja em ordem quando eu chegar. – Voltou-se para Sam.

– Isso também depende da sua colaboração, Sam.
Sam limitou-se a concordar com um ronronar.

– Sinto muito em ter que abandoná-lo tão cedo, querido – disse Angelina, agora falando comigo. – Mas quando o dever chama, você sabe como é, não podemos dizer que não estamos disponíveis. Eu sou o Superman daquela empresa! – disse e riu. – Vou sair para fazer as compras, mas, quando chegar, acho que vocês não vão mais estar aqui. Então se cuidem, meus amores!

Segundos depois, eu ouvi a porta da frente bater e os pneus do carro de Angelina cantarem no asfalto.
Seguidos a esses barulhos, a casa mergulhou num silêncio que caiu sobre os meus ombros como um cobertor de lã particularmente difícil de carregar.

Sam ainda lia sua caneca.

Puxei uma cadeira, tomando todo o cuidado de não fazer muito barulho (como se eu me importasse em não incomodar Sam, que estava compenetrado demais em sua leitura), e me sentei à mesa. Ainda me irritava a maneira como ela aproximava as pessoas. A cada gesto meu, entre pegar as torradas, a geleia, outro copo e me servir de café, era uma nova oportunidade de esbarrar em Sam, e só em uma delas foi que isso aconteceu. Mas Sam não resmungou.

Àquela altura, uma pessoa normal já teria terminado a leitura, o que me fez imaginar que Sam estava relendo a caneca. Incomodado com isso, vi-me obrigado a quebrar o silêncio.

– Como vamos fazer para ir à escola?

Sam girou os olhos da caneca para mim com uma lentidão assassina (Stephen King, saia daqui!), e, por um momento, eu achei que ele fosse jogar a caneca em mim, irritado. Mas seu tom de voz estava absolutamente normal quando disse:

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