A Noite

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O humor de Sam andava tão instável quanto a minha confiança nele.

Havia momentos em que ele conversava comigo, principalmente quando me dava carona para a escola, mas em outros ele simplesmente me tratava como ninguém. Como um travesseiro, talvez. Às vezes, me dizia o que ia fazer ou comentava alguma coisa curiosa, mas, em outras, só se dirigia a mim quando era para pedir licença no corredor. Ele não estava bem, apesar de dizer à mãe várias e várias vezes que estava, sim.

Mas naquela noite de sexta-feira ele falou comigo. Eu o vi diante do espelho de seu quarto, mergulhando os dedos nos cabelos molhados, e suas intenções, ali, estavam claras: ele não queria penteá-los, mas bagunçá-los. Deixava-o ainda mais bonito. Não estava bem vestido, mas qualquer roupa que Sam quisesse usar ganhava notoriedade, porque ele era bonito de natureza.

– Vai a algum lugar? – eu perguntei, à porta do quarto.

– Vou – ele respondeu e, apesar de ter soado monossilábico, ele não soou frio. Apenas respondeu minha pergunta e imaginava que eu estava satisfeito assim.

Olhei para o rádio relógio sobre sua mesa de criado-mudo. Eram quase onze horas da noite.

– Alguma festa? – tornei a perguntar.

Sam agarrou as mangas de sua regata, como se as ajeitasse, e deu uma mexida na cintura de sua bermuda.

– Não necessariamente. Não em seu modo convencional.

Eu quis xingá-lo, não vou mentir. No princípio, o mistério em torno de Sam era fascinante, atraente, um passatempo interessante que eu adorava gastar tempo desvendando. Mas agora eu estava enjoado.

Já havia bons meses desde que eu me mudara para aquela casa e ele ainda era daquele jeito. Nem sei por que um dia eu decidi confiar nele ou sequer chamá-lo de amigo.

Talvez tenha sido porque ele confiou o pau dele à sua mão, não foi?

É, talvez tivesse sido isso.

– Boa noite, então – eu disse, já decidido a ir para o meu quarto.

– Boa noite, Blaine.

Quando Sam dizia o meu nome era que eu me lembrava de que ele sabia quem eu era, afinal. No restante do tempo, era como se ele me tratasse como alguém que parou ao seu lado no ponto de ônibus, alguém que dera uma opinião sobre o livro que ele segurava na livraria, alguém cujo rosto ele esqueceria assim que deixasse aquele cenário.

Quando ele dizia o meu nome, minhas desconfianças voltavam à estaca zero.

Mas, no final das contas, não demorava muito para que esse efeito passasse.

Sem opção de programa para aquela noite, eu decidi que iria dormir cedo. Não havia muito o que eu pudesse fazer: minhas lições de casa estavam concluídas, o último livro que eu tinha lido já estava terminado e eu meio que já estava enjoado de stalkear o pessoal do colégio no Facebook. Até porque o único perfil pelo qual eu tinha algum interesse era o de Sam, e ele não era muito interessado pelas redes sociais quanto aparentava (a julgar pelo hábito de sempre estar no celular), e quando postava algo no Facebook – algo que acontecia uma vez a cada quinze dias –, era um clipe novo ou tremendamente antigo de uma banda de Blues ou Country que só ele conhecia. E mesmo assim ele ganhava inúmeras curtidas. Eu só conseguia supor o porquê.

Retirei a roupa do dia e me vesti com as duas peças de um pijama fino, uma camiseta e um short curto.

Sobre a cama, joguei um lençol e um edredom. A noite não estava fria, mas estava fresca, e um pouco de cobertor a mais me deixaria confortável o suficiente.

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