Um coração partido

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Seus dedos traçavam caminhos aleatórios sobre a pelugem do cobertor. Era um bom método para refletir, colocar seus pensamentos no lugar e absorver o impacto do que havia ocorrido. Perséfone ainda se sentia meio zonza, seus ferimentos externos poderiam cicatrizarem com o passar do tempo, mas suas lesões inferiores nem mesmo com a eternidade cicatrizavam. E se assim fosse, teriam uma aparência horrível e seriam ainda mais odiadas. Pois a aparência se modifica, mas as lembranças ficam prezas em nossa mente pelo resto da eternidade.

Após a partida de Nix que recolhera seu filho do chão, assim retirando toda a baderna instalada em poucos minutos. Hades havia saído do quarto, deixando Perséfone sobre os cuidados de sua sogra Réia. Ele não confiava em mais nenhuma serva do palácio. Perséfone temia que Hades tomasse severas e precipitadas ações, mas ao menos por enquanto ela tinha a certeza que ele estava com Hécate e Hipnos para colocarem um fim no feitiço sobre o qual Tânatos se encontrava.

Afinal Hades tinha a deusa da magia como uma das milhares de suas súditas. Perséfone apenas queria que ele estivesse ao seu lado logo. Ela sabia que ele não tinha escolha, Nix o havia implorado para ajudar, mas no final, mesmo Hades sendo grato por tudo o que Nix fizera por ele, Tânatos iria sofrer as consequências. Sendo inocente ou não. Hades, era o Hades, aquele a quem toda uma civilização não ousava pronunciar seu nome, haviam mexido com ele, e com toda a certeza surgiriam consequências. As piores possíveis. Esse era o lema dele no fim das contas. Não poderia negar, nem mesmo depois de todo o mal que o deus da morte havia provocado.

Mas Perséfone também precisava de um carinho, de um consolo e de amor, no entanto não havia ninguém melhor para isso do que Hades. Mas talvez ela estaria sendo egoísta ao desejar a atenção de Hades apenas a ela. A deusa da primavera nunca imaginara que um dia esse mal aconteceria com ela... Muitas das deusas que conhecia haviam sido vítimas deste mesmo mal, incluindo suas adoráveis amigas ninfas.

Todas elas sentiam a mesma coisa. Em todas as histórias que ouvira, Perséfone nunca se permitiu a achar que conseguiria entender esse sentimento. Rejeitar essa ideia era o que muitas vezes solucionava o caso.

Repulsa.

Era o que todas sentiam e mal saiam lidar com isso.

Por sorte, Réia cuidava de seus ferimentos sem se quer lhe questionar uma palavra. O que a tranquilizava e a deixava livre para seus próprios pensamentos.

De todas as vezes em que virá e lhe dirigira a palavra a Réia, Perséfone nunca imaginou que ela poderia de certa forma ser amável. A forma delicada e atenciosa com que tratava de seus ferimentos demonstravam claramente o seu afeto. Sua maneira ao observar a gravidade do hematoma no rosto delicado cujo qual cuidava. Era bom ter esse carinho afetivo e puro, isso literalmente derrubava a muralha entre sogra e nora.

O tecido úmido com o qual estancava o pouco licor dourado que ainda saia, a fazia sentir uma leve ardência na pele ferida. Não era em grande quantidade, mas o suficiente para enrugar as finas expressões de seu rosto.

____Está doendo muito? ____pergunta a titã preocupada com a reação da deusa da primavera.

Perséfone lhe entrega um meio sorriso tremulo sob a dor que se encontrava. Talvez a dor fosse maior do que o constrangimento de se estar nua em frente a sogra.

____Nem toda a dor pode ser maior do que a humilhação e a violação à qual fui submetida. Se eu pudesse ter escolhido, preferiria ser violada por meu próprio marido, ao invés de um estranho. ____recente a deusa serenamente, embora sua tristeza estivesse expressa de todas as formas em seu ser.

O Rapto de PerséfoneOnde histórias criam vida. Descubra agora