Os raios de sol batem no meu rosto e eu faço o que imagino ser uma careta ainda sem abrir os olhos. Respirando fundo eu ainda posso sentir seu cheiro na minha cama, mas já não sinto a sua presença ao meu lado.
Tateando pela cama eu confirmo as minhas suspeitas quando encontro o espaço ao meu lado vazio. Pelo menos eu tinha a certeza de que foi tudo real. Não tinha como a minha cama estar com o seu cheiro se ele não tivesse sentado aqui pelo menos.
Ouvi uma risada e o espaço que eu estava tateando afundou com o peso de um corpo. Com os olhos fechados eu engatinhei até ele e deitei minha cabeça no seu colo, suspirando satisfeita.
-Ah não, você babou a minha camisa ontem e agora quer batizar minha calça também.
Abri os olhos e o encarei.
-Eu não babo. –Falei com a voz rouca de sono.
Sutilmente eu passei a mão pela lateral do meu rosto buscando secar qualquer resquício de baba que tivesse ali.
-Baba sim. –Ele riu. –E ronca.
-Ronco nada! –Protestei sentando na cama.
Ele me encarou de cima a baixo e eu tinha certeza que deveria estar parecendo uma leoa oxigenada com os olhos cheios de remela e o rosto marcado de travesseiro, então mais que depressa eu corri para o banheiro endireitar a minha cara.
Saí de lá uma nova pessoa. Usando meu roupão felpudo cor de rosa eu fui para o quarto e encontrei Tom segurando os tecidos que eu usava para "fazer minhas macaquices" como dizia a minha irmã. Ele ergueu o olhar dos metros de pano nas suas mãos e engoliu em seco ao me ver.
-Isso aqui é pra que? –Perguntou depois de um tempo.
-Tecido acrobático. –Ele continuou com cara de paisagem e eu sentei na cama rolando os olhos. –Eu uso pra me pendurar, me amarrar nele... essas coisas.
Seu rosto ainda estava com aquele semblante fofo de confusão quando de repente ele ergueu as sobrancelhas parecendo entender.
-Igual ás mulheres do circo? –Tá, não era exatamente isso que eu esperava, mas anuí pra não confundir aquela cabecinha oca. –Eu preferia quando você ficava no chão.
Eu quase soltei um "eu também", mas engoli as palavras. Como eu sentia falta das barras, dos cavalos, dos tablados... a ginástica era a minha vida.
-Não foi por minha escolha que eu saí do chão. –Encolhi os ombros com a voz magoada.
Tom pareceu perceber aquilo, porque colocou o tecido de volta no meu guarda roupa e sentou ao meu lado na cama. Estava tão imersa na minha bolha nostálgica que ignorei o fato de ele ter fuxicado nas minhas coisas (eu já falei o quanto odeio que mexam nas minhas coisas sem permissão?) e que eu estava usando apenas um roupão curto cor de rosa.
-Você nunca me contou porque parou com a ginástica. –Comentou.
Dei de ombros.
-Você não parecia interessado. –Falei sinceramente.
Realmente, na adolescência ele sempre falava em bom tom o quanto achava "irado" o fato de eu fazer ginástica artística. Todos os saltos perigosos deixavam ele "animadasso". Mas um ano e meio atrás quando eu parei, ele perguntou só uma vez e o assunto morreu naquilo.
-Eu estava. –Se justificou. –Mas você disse "Esquece isso", e eu esqueci.
Nem tentei perder o meu tempo tentando explicar que muitas vezes quando uma mulher diz uma coisa, ela quer dizer totalmente o contrário. Qual é, são milênios de convivência entre os dois sexos. A raça masculina já deveria saber disso, mas ali estava a prova do que as mulheres mais velhas vivem dizendo: Os homens evoluem mais devagar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
INSUFICIENTE
RomanceNesse livro vemos a história da pequena (ou nem tão pequena assim) Milene. No auge dos seus vinte anos ela se vê infeliz sentindo um amor platônico pelo seu quase irmão e amigo de infância, Thomas. Thomas tem hábitos peculiares que vão contra alguns...