Quando a gente menos espera

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" Pessoas acabam quando a gente menos espera. Por isso temos de amar intensamente quem está ao nosso redor. Porque depois resta apenas o fúnebre: Deus sabe o que faz."

Dona Laura era uma mulher de hábitos simples, costureira das boas, acordava bem cedo, tomava um copo de leite, comia algo pra forrar o estômago, preparava o café das filhas e ia para seu ateliê improvisado no seu quarto mesmo, onde passava horas e horas, perdendo a noção do tempo, saindo de lá apenas para dar atenção as filhas, receber os clientes e visitas, para os afazeres domésticos ou comprar algum material de costura. Vivia em razão da felicidade de Bárbara e Isabel, com seus 55 anos muito bem vividos sempre dava conselhos e orientava as duas, enquanto Bárbara escutava e dava atenção a mãe, Isabel fingia que não era com ela. Apesar de Bárbara e Isabel serem totalmente o oposto uma da outra, Dona Laura as amava com a mesma intensidade, tudo que fazia por uma, também fazia pela outra, as tratava com tanta igualdade que ao acordar tinha o trabalho de preparar dois cafés, um mais doce para Bárbara e outro mais amargo para Isabel, do jeito que elas gostavam.
Era mais um dia comum, como outro qualquer, Dona Laura como sempre pulava da cama e ia cumprir com seus deveres, mas como se sentiu mal na noite anterior, primeiro foi preparar um chá de hortelã para ver se melhorava, estava meio zonza, mas não queria incomodar as filhas que ainda dormiam. Encheu a chaleira com água, ascendeu o fogão e pôs a água para ferver. Enquanto aguardava, sentou-se e abaixou a cabeça sobre a mesa, estava mesmo muito tonta. Bárbara se levantou e foi até a cozinha queria um copo d'água, quando avistou a mãe naquela situação e enquanto matava a sede, indagou o que estava acontecendo:
- Bom dia mãe, algum problema? Por quê está com a cabeça baixa?
-Bom dia minha filha é apenas uma leve tontura, mas to preparando um chá e já já passa.
- Deixa que eu preparo pra você, só vou no banheiro lavar meu rosto e venho fazer a infusão do hortelã.
- Precisa não, eu mesma faço, olha a água ja até ferveu.
Bárbara também achava que era apenas um mal estar qualquer, por isso não ficou muito preocupada, foi lavar o rosto. E enquanto isso Dona Laura começou a preparar o chá, se levantou mesmo atordoada e pegou a chaleira com água, quando de repente perdeu todos os sentidos, derrubou a água fervente e caiu desmaiada sobre o chão. Bárbara do banheiro escutou o forte estrondo e saiu correndo apavorada, chamando pela mãe, quando se encontra diante da cena de Dona Laura caída:
- Mãe! Mãe! Meu Deus o que aconteceu?
Senta- se no chão, segura a mãe sobre o colo e desesperadamente começa a gritar:
- Socorro! Alguém me ajuda. Isabel levanta, me ajuda aqui. Socorro! Isabel levanta.
Isabel que dormia como uma pedra se levanta assustada e vai ver o que ocorre:
- O que tá acontecendo que gritaria é essa? Mãe! O que aconteceu?
- Ela tava aqui fazendo um chá quando desmaiou do nada. Ela tá muito fria, liga pra alguém, pede socorro. O matias. Liga pra ele, pede socorro, vai vai.
Isabel foi fazer o que a irmã pediu, mas mesmo diante de uma situação tão tensa se propôs a reclamar:
- Que saco! Essas coisas tem que acontecer bem na hora que eu to dormindo.
Assim que ficou sabendo do ocorrido, Matias veio o mais depressa que pôde, prestando resgate e levando Dona Laura até o hospital da cidade. Ao chegarem lá Dona Laura foi levada imediatamente para a emergência, se tratava de um infarto fulminante. Matias, Bárbara e Isabel aguardavam informações na recepção quando um médico traz a trágica notícia. Dona Laura estava morta. Uma dor insuportável toma conta do coração de Bárbara naquele momento, abraçada a Matias que lamentava, se submeteu a chorar como nunca. Parecia ironia do destino, dias após sua chegada, a mãe se foi. Isabel era muito seca, mas mesmo assim era possível ver em seus olhos algumas  lágrimas, mesmo que fossem poucas e secas lágrimas. Matias se doou  para organizar o velório e enterro, auxiliando a amiga, num momento tão triste e complicado. Emprestou um dinheiro para as despesas, e o enterro foi naquele dia mesmo, no fim da tarde. Bárbara não queria acreditar que perdeu seu bem mais precioso, agarrada ao caixão sofria como nunca sofrera antes, já Isabel não derramara uma lágrima se quer, não demonstrava o que se passava em sua mente, com uma expressão que não dizia muita coisa estava bem pensativa.
Após o enterro Matias levou as irmãs para casa e durante o trajeto se pôs a consola-las:
- Vocês não querem dormir por essa noite lá em casa não? Acho que seria melhor.
Bárbara não aceitou a sugestão:
- Não precisa não Matias, quero ficar em casa mesmo, tentar entender tudo isso. A ficha ainda não caiu. É um misto muito grande de dor, lamentação e revolta.
- Se você prefere assim.
Matias as deixou sozinhas em casa. Cada cantinho trazia lembranças de Dona Laura:
- Como entender Isabel? Nossa mãe até ontem estava aqui com a gente, e agora só restam lembranças.
Isabel olhava pra irmã com um olhar que não dizia nada, sem pronunciar uma palavra se quer. Seria algum remorso? Bárbara estava achando-a muito estranha:
- Está bem Isabel? Sei que é difícil, mas você está horas sem dizer nada, com esse olhar que não diz muito.
- Estou só pensando na vida.
- A vida é realmente surpreendente né. Não somos nada diante dela.
- Pois é. Mas temos que criar forças e seguir em frente. Ainda estamos vivas, a gente não queria que a mãe se fosse, mas como você disse não somos nada, nossas vontades não valem de nada. E por falar em vida, agora sem a mãe quero te dizer algumas coisas. Eu não queria tocar nesse assunto nesse momento mas é necessário.
- Sobre as costuras, as roupas e objetos da mamãe?
- Não. Não é sobre isso não.
- Sobre o que então?
- Sobre a casa, que era da mãe quando  viva, mas agora como ela está no meu nome...
Isabel não conseguiu terminar a frase, pois Bárbara revoltada a interrompe:
- Qual é a sua Isabel? Fica aí horas sem dizer nada, sem derramar uma lágrima se quer, e quando abre a boca é pra vim com esse papo estranho de casa. Me poupe, se poupe, nos poupe.
- Ham. O que você tá insinuando Bárbara? Tá querendo dizer que eu não estou nem aí pra morte da mamãe? Quer dizer que você tá sofrendo mais que eu? Sai fora. Só não gosto de sentimentalismo, estou sofrendo tanto quanto você.
- Não quero dizer isso. Só não quero tocar em assuntos desnecessários neste momento, respeita nosso luto.
- Tá bem, não falo mais nada.
- Melhor assim. Você vai trabalhar hoje?
- Não, pedi pra Teodora me dispensar hoje.
- Tá com fome? Quer que eu preparo alguma coisa pra gente comer?
- To sim, você podia fazer um macarrão com carne pra nós, porque minha comida é horrível, nem cachorro quer.
Comeram o macarrão e foram se deitar. Aquela noite parecia interminável para Bárbara, não conseguia pregar os olhos, eram muitos questionamentos e lembranças. Isabel a sua meneira também estava muito sentida.

A UVA PODREOnde histórias criam vida. Descubra agora