O nascimento de um anjo

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Matias ainda estava com a ideia fixa de que Bárbara esperava um filho seu. Por isso tratava aquele feto que ainda estava em formação como se já tivesse vindo ao mundo. Conversava com a barriga, a acariciava, dizia ter ouvidos chutes. Saía pra comprar roupinhas e macacões, objetos para decorar o quartinho que já havia sido montado por ele antes do sequestro. Bárbara não gostava de presenciar tais cenas, para ela, cada dia que se passava Matias se tornava ainda mais louco:
- Para Matias, para com essas sandices, esse bebê não é seu e nunca vai ser.
- Não diga isso Bárbara, eu sou o pai dessa criança e a gente vai ser muito feliz juntos ainda, você vai ver só.
- Faz um mês já que estou aqui, trancada nesse maldito quarto, sem ver ninguém, sem ver o sol, sem ver a noite, sem ver nada.
- Isso um dia vai acabar, quando você me aceitar, aprender a me amar, aí sim você será solta, porque eu sei que você não vai fugir.
- Você é um louco, um doente, um psicopata, eu nunca vou te amar. Eu esperava isso de qualquer um menos de você. Você se aliou a Isabel, se tornou um monstro igualzinho a ela.
- Não diga isso, eu só te dou amor e é assim que você me retribui. Assim você me magoa, vamos mudar de assunto, vamos falar do nosso neném. Como ele vai se chamar, estava pensando em Antônio, é o nome do meu pai, seria uma homenagem pra ele.
- Que Antônio o quê? Eu e Raul já havíamos decidido por Gabriel se for menino e Glória se for menina.
- Tá bom, se você prefere assim, eu também acho as duas opções lindas.
- Eu preciso ir a um médico Matias, fazer exames, ver como está a criança. Se você me ama de verdade, ama essa criança, me deixa ir embora, por favor, eu te imploro por tudo que é mais sagrado nesse mundo.
- Eu sei que te deixar sair, você não vai voltar mais. Já tenho tudo planejado, vai ser tudo a moda antiga, já fiz algumas pesquisas, to estudando um pouco, eu vou ser o seu parteiro.
- Você está fora de si e se essa criança nascer com algum problema, como você vai fazer? Se for um parto complicado?
- Não pense no pior meu amor, nosso filho vai ser perfeito, vai dar tudo  certo. Eu vou fazer o parto do meu próprio filho, poucos pais tem essa oportunidade.
- Louco. Quero ver até quando se sustenta essa farsa sua e da Isabel. Quando todos descobrirem vocês vão parar na cadeia.
Em Parreiral a falsa Bárbara ainda dizia sofrer pela "perda de seu filho", no entanto Isabel já não suportava mais se fazer de boa moça, precisava de uma válvula de escape, onde poderia se exaltar, usar o seu veneno. Encontrou nos empregados uma forma de extravasar, fazendo o que mais gostava, mandar, dar ordens, se sentir no comando. Quando Raul não estava em casa era a hora perfeita para tais maldades. Os funcionários da casa acharam muito estranho aquelas mudanças no comportamento da patroa, mas acreditavam que tal transformação havia se dado pela perda da criança e após o casamento. Afinal quer conhecer uma pessoa de verdade lhe dê poder. Aos poucos a admiração dos serviçais por "Bárbara" diminuía, antes a patroa dos sonhos, agora se mostrava a patroa dos pesadelos. Em uma dessas intrigas, a farsante acabou se enrroscando. Telma, a cozinheira preparava uma sopa de legumes para o almoço, pedido do próprio Raul, quando a sós em casa, "Bárbara" foi até a cozinha:
- Oi Telma, o que você vai preparar pro almoço de hoje?
- Vou preparar uma deliciosa sopa de legumes dona Bárbara.
- Não, melhor preparar outra coisa, um arroz carreteiro cairia melhor.
- Mas foi um pedido do próprio Raul.
- O que? Tá questionando minha ordem. Faz o que eu estou mandando, não sou obrigada a comer lavagem todos os dias. Eu mando aqui.
Naqueles momentos sozinha com os empregados, esquecia que era Bárbara. A Isabel que tinha dentro de si falava mais alto.
- Sim senhora. Me desculpe.
Mas o que a falsa Bárbara não esperava era que seus momentos de Isabel fossem entregue a Raul.
Na hora do almoço, já que desde que passaram a morar juntos sempre almoçavam em casa mesmo, o diretor chegou para a refeição. Na mesa o arroz carreteiro pedido de "Bárbara":
- Ué, você não iria preparar uma sopa de legumes para o almoço Telma.
- Iria, mas dona Bárbara disse que não queria comer lavagem.
- Lavagem? Como assim meu amor? Você sempre gostou de sopas.
Isabel não esperava por aquilo:
- Eu não falei dessa forma
Lavagem. Só disse que não queria comer sopa hoje, algum problema nisso?
- Disse lavagem sim.- Confirmou Telma.
Numa tentativa de não ficar em saia justa, Isabel veio com o mesmo discurso de sempre:
- Ninguém me entende mais, eu acabei de perder um bebê, você tem ideia do que é isso Telma? Pra você não faz a menor diferença né, já que você tem quatro filhos, pra ficar aí fazendo intrigas por causa de comida. - Disse isso e saiu chorando para o quarto, até bateu a porta.
- Me desculpe dona Bárbara, não foi minha intenção.
- Dona? - Estranhou Raul, já que Bárbara nunca havia exigido tal tratamento.
- É. Agora ela exige ser chamada apenas de Dona Bárbara. Mas de qualquer forma me desculpe Raul, não queria magoa-la.
- Eu quem peço desculpa Telma, Bárbara ainda não aceitou os últimos acontecimentos, teremos de dar tempo à ela, desde aquela trágica notícia ela mudou muito, vou conversar com ela, pode ficar tranquila.
Assim permaneceu "Bárbara", na frente de Raul e dos mais importantes um anjo vindo do céu, na frente dos empregados o diabo em pessoa.
Enquanto isso o sofrimento da genuína Barbara parecia não ter fim. Todavia como diz o dito popular o tempo é sempre o melhor remédio e tem o poder de curar tudo.
Passam-se sete meses.
No cativeiro disfarçado de casa a verdadeira Bárbara já não aguentava mais as típicas dores da gestação.
No entanto numa daquelas manhãs as dores estavam mais fortes, a barriga já não tinha mais para onde se esticar e uma secreção líquida se escorreu pelas pernas. A bolsa havia estourado, a criança viria ao mundo. Desesperadamente começa a chamar por Matias que ainda dormia:
- Matias socorro, socorro, a bolsa estorou, me ajuda.
Assim que escutou os sofridos chamados, levantou imediatamente, abriu a porta do quartinho e se deparou com Bárbara em trabalho de parto:
- Meu amor nosso filhinho vai nascer. Chegou a hora. Uhul!
- Eu preciso ir pra um hospital, por favor.
- Não meu amor eu mesmo vou fazer o parto, me preparei muito pra isso, fiz pesquisas, vi vídeos, até um curso de parteiro eu fiz.
- Você tá maluco. Ai, ai, ai, dói demais.
- Se apoia aqui na cama, que eu já vou começar, só vou pegar o kit que eu preparei e já volto.
- Matias escuta aqui, se acontecer alguma coisa com essa criança se considere uma pessoa morta. Você entendeu?
- Calma meu amor, vai dar tudo certo, não vou te decepcionar, daqui a pouco vamos estar com o nosso bebê nos braços.
- Agora anda, que tá doendo demais. Ai,ai.
Matias iniciou o trabalho de parto, estava emocionado como de fato fosse o pai daquela criança:
- Força meu amor, força. Coloca nosso filho no mundo.
Naquela altura Bárbara já não ligava mais pras loucuras ditas por Matias. Segurando em suas mãos apenas fazia força pra que o filho viesse ao mundo.
Após pouco mais de duas horas naquela agonia, com os mais diferentes pensamentos, se ouve o inocente e estridente choro. A criança havia nascido. Nasceu grande e saudável. Em seus braços, com lágrimas nos olhos, Matias comemorava: É um menino! Um menino! Bem vindo ao mundo Gabriel! Com as mãos ainda sujas de sangue, Bárbara segurava o filho, maravilhada diante do milagre da vida. Matias limpou o bebê numa bacia de água morna, o vestiu e o colocou numa incubadora que havia comprado. Depois ajudou Bárbara, lhe deu um banho e ajudou a se vestir. Lhe deu um reforçado café da manhã e em seguida trouxe Gabriel para os braços da mãe, que ali no leito materno, ficou o dia todo. Ter aquela criança nos braços, fazia ressurgir em Bárbara o desejo de liberdade. Com a voz em solilóquio conversava com a cria:
- Eu vou te tirar desse cativeiro meu filho, com a ajuda de Deus eu vou te tirar daqui. Pode acreditar. Nem que seja a última coisa que eu faça nessa vida.

A UVA PODREOnde histórias criam vida. Descubra agora