Capítulo 1

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          Era uma noite sombria e estranha. Jéssica lembrava como se estivesse acontecendo tudo de novo naquele exato momento.

          O segundo andar tremeu violentamente. Jéssica olhou para o marido, na penumbra do quarto, assustada, e como uma criancinha que tem medo da tempestade, se debulhou em lágrimas. Estava acontecendo de novo, e dessa vez ela nem sequer se atreveria a ir até lá. Da última vez quase lhe custara a sua vida.

          O marido -  franzino e cheio de olheiras ao redor dos olhos avermelhados de quem não dormiu bem há muito tempo, os cabelos loiros ralos e os lábios ressecados - olhava para a porta segurando com força seu bastão de basebol esperando a porta ser arrebentada a qualquer momento.

          A filha pequena deles, Julie, de apenas 5 anos de idade, não parava de chorar e sussurrar aos soluços agarrada à mãe que sua irmã era uma espécie de demônio.

          Um barulho bizarro se apossou de seus ouvidos e os três pareciam se encolher ainda mais.
Os móveis e as paredes tremeram com mais violência e o arrepio frio e macabro se tornava maior. A pequena Julie estava para ter um ataque de pânico e Jéssica não podia culpar a filha disso, pois ela também se sentia assim.

          Os móveis estavam quase tombando de suas posições quando de repente tudo parou.

          Um silêncio mortal de apossou do cômodo. Fazendo com que todos que estavam ali crescem que o tempo também parecia ter parado.

          - Já acabou mamãe? - Julie perguntou com sua voz fraquinha e cansada.

          Jéssica apertou a filha mais nova e fechou os olhos por uns instantes. Sua menina não podia viver daquela forma, toda aquela situação estava insustentável. Mas o que ela poderia fazer para que tudo melhorasse? A resposta estava sempre ali na sua mente: Nada. Não podia fazer absolutamente nada. 

          - Sim meu bem, acabou. - Jéssica reponde da forma mais doce e calma que consegue, depois de devanear um pouco sobre a situação em que todos se encontravam naquele momento.

          O silêncio voltou, mas não por muito tempo. Um grito angustiado veio do outro cômodo e Jéssica sentiu como se seu coração estivesse sendo estraçalhado.

          - Mamãe! Me tira daqui! Por favor! Eu não tenho culpa! Eu não tenho culpa de nada! Eles me obrigam a fazer isso! Não sou eu! Eu juro! Por favor, me solta! - Os gritos pareciam ficar mais atormentados conforme vinham mais frases.

          Jéssica começou a chorar copiosamente. Não podia. Não podia fazer aquilo, para o bem de todos ali. Doía fazer aquilo com sua filha mais velha, mas ela não tinha outra opção senão aquela. 

          Parecia que havia voltado a calmaria no outro cômodo. Pelo menos era o que Jéssica queria.

          - Eu vou ser boa, mamãe! - O grito ecoou nos ouvidos da mãe que estava desesperada e desconsolável. - Eu prometo que vou ser boa!

          O choro e soluços pesados no porão pareceu aumentar. Jéssica soltou a pequena Julie e foi em direção à porta do quarto. Foi impedida pelo marido de sair, ele agarrando seu pulso com força.

          - Ela está tentando enganar você. - Ele murmurou rouco.

          - Ela é minha filha! - A mãe gritou o olhando nos olhos. 

          - Ela é um demônio, Jéssica! Será que você não ver isso? Não seja tola outra vez. Ela quer apenas enganar você.

          Jéssica se desvencilhou dos braços do marido e correu porta à fora. Ela sabia que ele não teria coragem de acompanha-la ali por diante. Ela foi direto pro porão. Quando desceu as escadarias e olhou ao seu redor naquele lugar frio que tinha apenas uma lâmpada encandeceste fraca como iluminação, seu peito apertou mais ainda e a garganta entalou.

          Odiava fazer aquilo com a filha. O local estava sem móveis, havia apenas um colchão sujo e acabado no chão junto com um lençol. Era perigoso demais ter qualquer coisa a mais ali. Todo cuidado era pouco.

          Rebecka estava sentada no chão. Sua pele cor de leite estava com alguns hematomas grandes em várias partes do seu corpo, os longos cabelos dourados estavam soltos e assanhados. Seus braços estavam suspensos por grossas correntes. Seu queixo estava encostado no peito e ela parecia ter apagado.

          Somente quando Jéssica se aproximou mais da filha e o piso de madeira rangeu foi que Rebecka levantou a cabeça, notando a presença da mãe e a encarando profundamente com aqueles olhos verdes profundos. Seu rosto estava sujo de sangue. Consequência do nariz que jorrara aquele líquido viscoso. Jéssica deu alguns passos em direção à ela e parou. Ela abraçou o próprio corpo procurando se manter firme e não mostrar a filha que estava tremendo.

          - Está sentindo alguma coisa? - A mãe perguntou desolada, evitando olhar a filha nos olhos.

          - Me solta mãe. - Foi a primeira coisa que a adolescente pediu. Dali a uma semana ela completaria seus 15 anos e estar naquela situação era tão desgastante que ela nem parecia direito ter aquela idade.

          - Eu não posso, meu bem. Somente pela manhã. - Jéssica falou procurando se convencer da própria mentira que estava falando.

          - Mas isso tá me machucando. - Rebecka falou balançando as correntes para dar ênfase e fazendo uma leve careta de dor.

          Jéssica virou as costas para a filha e colocou as mãos no rosto, tentando tirar aquela imagem da mente.

          - Não posso. - Tornou a repetir para a filha.

          - Pode sim mãe. É tão simples... - A jovem falou, com a voz arrastada, persuasiva. - Tudo que tem que fazer é buscar a chave. E abrir esses cadeados.

          Jéssica já não se sentia bem, mas depois que a filha começou a falar daquela forma ela sentiu algo diferente em seu próprio corpo, não sabia o que era, mas algo havia mudado.

          Uma vozinha começou a martelar a sua cabeça.

          Mate-a, mate-a e seus problemas acabaram. Mate sua filha mais nova e a outra não sofrerá mais assim.

          Os olhos de Jéssica se arregalaram em um terror incontido. De onde vinha aquela voz maldita?

          Ela se vira para Rebecka e reparou que os olhos da filha haviam mudado: sua pupila havia dilatado ao ponto de cobrir toda a estrutura branca que costumava aparecer, as veias perto dos olhos apareceram, saltadas, e ela não parava de olhar para a mãe falando algo bizarro em que Jéssica não via sentindo algum.

          - Você está fazendo isso? - Jéssica pergunta, dessa vez com uma voz firme, apesar dos olhos assustados.

          - Tem que ser mais específica. - A filha falou. A voz super alterada. Ela arreganhou os dentes para a mãe. Jéssica engoliu em seco. - Que foi mamãe? Está com medo de fazer a única coisa que pode salvar sua filha mais velha?

          - Isso não vai salvar ela. - Jéssica responde, quase incerta do que estava falando. 

          - E o que a salvará? Sua religião em que tanto gosta de confiar? - A entidade que controlava o corpo de Rebecka pergunta com voz entediada e olha rapidamente para a cruz que estava pendurada em uma das paredes daquele lugar. - Eu acho que não. - Ela mesma responde depois de um momento de silêncio. 

          - Se afaste da minha família, seja você quem for. - A voz de Jéssica treme e ela segura o ar com força depois de notar isso. 

          A coisa que usava o corpo da filha mais velha gargalhou.

          - Eu só vou me afastar daqui quando todos vocês estiverem mortos e eu me apossar do que ela tem a me oferecer.

          Um arrepio percorreu a espinha de Jéssica e ela só saiu daquele transe quando ouviu o grito de seu marido a chamando.

          Ela correu de volta para o outro quarto, mas antes disso ouviu a coisa sibilar como a uma cobra:

          - Não adianta tentar salvar a vida de sua filha. Ela não tem maia salvação alguma.

Eu, RebeckaOnde histórias criam vida. Descubra agora