– Sei que você deve estar bastante confusa com o que aconteceu pela madrugada. – Celine começa falar depois de alguns minutos de angustiante silêncio.
Rebecka faz um muxoxo antes de responder.
– Não estou impressionada com o que aconteceu. Estou condenada a essa vida de problemas, aonde eu tento fazer o melhor, para o bem de todos, e não consigo.
– Não seja tão dramática e nem tão rude consigo.
– Sinceridade é um mal necessário. – Rebecka sussurra virando o rosto para o outro lado.
Celine vira o rosto para trás e bate no chão de pedra ao seu lado.
– Sente aqui ao meu lado. Vou te contar uma história.
Rebecka revira os olhos, mas vendo que não tem outra opção e que Celine ainda queria puni-la de alguma forma, ela se viu se sentando ao lado de sua mestra. Celine suspirou e olhou para frente, aonde se encontrava o misterioso caixão.
– Você sabe a história dela? – A mulher pergunta para sua aprendiz apontando para o caixão de vidro.
Rebecka ergue uma das sobrancelhas. Não sabia se era correto confirmar, vai que Celine estava a testando.
– Mais ou menos. – Foi o que ela resolveu responder, mas com uma pitada de desdém para ver se despistava a outra. – Por que?
– O que vou falar para você é em relação a Ela. – Celine olhou para cima, como se estivesse vendo uma cena antiga e romântica. – Existiu um tempo, em que duas irmãs, uma progenitora do bem e outra progenitora do mal, se desentenderam e se separaram. A do bem, Gaia, queria criar um mundo perfeito em que tudo que existisse nele fosse conectado e feliz. A do mal, Ereshkigal, queria arruinar os planos da irmã e não aceitava que esse sonho se concretizasse, e, a todo custo, queria acabar com o ideal da irmã. Ela não tinha muitos preceitos sobre o amor e encarava tudo com desdém e malicia. Então, quando Gaia criou a terra, a outra se viu tentada a arruinar a criação da irmã, fazendo com que seus seres, brigassem entre si pela própria vida. Os homens, eram os únicos da criação de Gaia que eram suscetíveis aos caprichos de Ereshkigal. Eles eram muito maleáveis e fáceis de levar para o mal caminho. Logo eles se viam mortos, e alguns deles até jogados no Sheol. E não, Ereshkigal não foi a criadora do Sheol, o que ela fazia era apenas incumbir os humanos a se destruírem, mas as criaturas do Sheol tiravam grande proveito desse feito da irmã sombria. Então, Gaia, vendo que sua querida criação iria acabar se destruindo, teve uma ideia, uma ideia de paz. Ela pediu a irmã, Ereshkigal, para que ela parasse de manusear os humanos daquela forma. Ela poderia guiar as almas das pessoas no momento que elas morriam, ela poderia julgar quem iria para cima ou quem iria para baixo. Gaia achava que, dando esse poder para a irmã, a outra ficaria mais quieta e agiria de forma correta. Mas o que ela queria não se realizou assim. Ereshkigal fingiu concordar com o que a irmã havia proposto, e, pelas costas dela, provocava os humanos a fazerem o que era errado. Gaia não percebeu nada, pois confiava tolamente na irmã. E como o tempo foi passando, e os homens não paravam de se destruir. Gaia foi se entristecendo e uma dor aumentava em seu peito. Foi nesse momento de dor que ela teve uma ideia: ela teria que cuidar deles pessoalmente. E foi daí que ela decidiu fazer algo que nenhum outro ser supremo se atreveria a fazer: ela se transfigurou na forma humana, usou um corpo carnal e desceu até a terra. Quando sua irmã descobriu o feito, a alguns séculos depois, ficou furiosa e decidiu destruir a irmã. Ela sabia que em um momento ou outro Gaia não aguentaria ficar naquele lixo que era sua criação e que iria voltar correndo para o seu verdadeiro lugar. Mas o tempo foi passando, e Gaia não tentava retornar. Ereshkigal já estava perdendo a paciência por completo, quando seu momento chegou: Gaia estava pensando em voltar a sua verdadeira forma. E para isso, ela teria que voltar ao local em que ela havia pisado ali pela primeira vez na forma humana e se desprender daquele corpo. Foi um processo penoso, e as investidas da irmã não a deixaram sossegar. Mas ela obtivera êxito. – Celine olha para Rebecka que também a encarava, estupefata. – Esse santuário, esse círculo gigante de pedra, foi o local aonde Gaia se desprendeu de seu corpo para sempre. Esse corpo no caixão... foi a última forma humana que ela usou. Por isso não permitimos que ninguém entre aqui sem permissão.
Rebecka estava emudecida, não sabia se devia acreditar naquela história de Celine ou não. Aquilo era incrível demais para ser verdade. Será se Bryan sabia sobre aquilo? Ela olhou para Celine.
– E o que eu tenho a ver com tudo isso? Por que me contou essa lenda?
– A sua participação se arremete as criaturas que admiravam e seguiam Ereshkigal no Sheol quando ela foi mandada para aquele lugar uma vez. – Rebecka ergueu uma das sobrancelhas com sua dúvida estampada na face e Celine suspirou. – Eles querem você, Rebecka. Eles precisam de você para um ritual, que ritual é esse? Eu não sei. Só sei que nada que eles façam é algo bom. Por isso, nós não gostamos quando você sai escondida.
Rebecka colocou os dedos nos lábios e olhava para o nada. Estava pensativa.
– Desde quando vocês sabem disso? – Ela finalmente pergunta.
– Desde que você chegou aqui. Mas só tivemos certeza que eles querem você para algum ritual hoje de madrugada quando o chefe deles apareceu para você.
– Quer dizer que vocês sabiam de tudo isso, do sofrimento que era causado a mim, da luta interna e externa que eu sempre tive, e não fizeram nada?
– Nós não poderíamos. Isso não é uma coisa que se resolve de uma hora para outra quando bem entendemos. Durante esses anos todos, nós investigamos o assunto. Quando te resgatamos naquela floresta, sabíamos que eles queriam algo com você, mas pensávamos que era o mesmo objetivo de sempre: possessão de um corpo humano. Porém, havia algo de estranho no modo de eles agirem com você. Então precisamos fazer várias pesquisas para chegar a uma conclusão de verdade.
– E que conclusão é essa?
Celine não respondeu, apenas abaixou a cabeça, derrotada.
– Vocês não conseguiram chegar a nenhuma conclusão, não é mesmo? – Celine continuou calada. Rebecka confirmou com a cabeça, não tinha mais mente para aquela conversa. – Eu... tenho que ir. Preciso treinar meus dons e relaxar minha mente. Não deixe que ninguém me atrapalhe. Estarei no salão do grande Caminhante, Camel. – Rebecka se levanta e antes de sair olhar para dentro do caixão.
Lá, ela mirou no rosto de Gaia. Seus cabelos castanhos eram volumosos e ondulados, os lábios avermelhados estavam semiabertos, as mãos entrelaçadas, quem a visse pela primeira vez assim, acharia que ela estava apenas dormindo. Não havia nenhum sinal de decomposição naquele rosto jovial.
E aquilo assustava Rebecka.

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Eu, Rebecka
Paranormal⚠Atenção⚠: Para melhor entendimento leia: Os caminhantes ... Bastava se distrair um pouco e já era. A vida de Rebecka era um emaranhado de problemas. Seus pais já não suportavam o que vinha acontecendo na vida da sua filha mais velha e queriam dar...