Mallory me conhecia bem demais. Eu dei a ela um sorriso lamentável.
Ela deu um passo para o lado e segurou a porta aberta. Entrando na sala de estar, eu fui imediatamente confortada pelos sons e cheiros de casa – lustra móvel de limão, canela e açúcar, o cheiro levemente estagnado de uma casa mais velha, o murmúrio baixo da televisão.
— Sofá. — ela direcionou. —Sente-se.
Eu sentei na almofada do meio.
Mallory pegou alguns lencinhos de papel de uma caixa na mesinha de
cabeceira, então se sentou ao meu lado, me deu os lencinhos, e tirou o cabelo do meu rosto.
— Me conte.
Eu contei. Eu contei a ela sobre o bar Metamorfo, a pizza, o chocolate. Eu
contei a ela sobre a festa, a amizade de Gabriel, e o valentão, sobre a reação de Ethan e o “risco” que ele estava disposto a correr. No final, eu estava em seus braços, chorando no seu ombro. Chorando como uma garota cujo coração havia sido quebrado em pedacinhos, mesmo sendo minha culpa por ter me apaixonado em primeiro lugar.
— Eu dei a ele o benefício da dúvida. — eu disse, passando um lencinho no meu rosto. — A principio eu pensei, Oh, ele só está com medo. Ele não pode dar mais porque ele não é capaz disso no momento. — balancei minha cabeça. — Não é porque ele não é capaz. É porque ele quer algo diferente.
Aquele sentimento doentio rolou pelo meu estômago novamente, aquela
reviravolta horrível que somente rejeição podia provocar. Mallory se sentou de volta no sofá, mãos no seu colo, e suspirou longo e duramente.
— Nesse caso, Merit, e eu não quero torná-lo um mártir, porque ele está
bem longe da nossa consideração no momento, é provavelmente um pouquinho dos dois. Eu o vi com você. Eu vi o jeito que ele olha para você. Eu sei que sou dura com ele.
Sua voz suavizou-se.
— Eu sei que fui dura com você. Mas tem mais do que mero desejo nos olhos dele quando ele olha para você. Não é só o lance físico. Tem mais alguma coisa, algum tipo de afeição, talvez. Algum tipo de apreciação que não é só sobre hormônios e partes íntimas. O problema é que ele é um vampiro de quatrocentos anos de idade. Ele não é humano, e não tem sido há um longo tempo. Nós nem sabemos se ele pensa ou quer as mesmas coisas.
— Não culpe o vampiro. — disse a ela. — Isso não tira a culpa dele.
— Oh, confie em mim. — ela disse.
— Me dê dez minutos a sós com Darth Sullivan, e ele vai sentir minha ira. — uma agitação de magia ergueu o ar e mandou uma pontada de augúrio pela minha espinha. Poderosa, era a minha amiga feiticeira.
— Tudo que estou dizendo, é que isso soa como se ele não achasse que tem uma escolha. Não é uma desculpa, mas é uma explicação.
Eu soltei uma respiração lenta e tirei lágrimas debaixo dos meus olhos com as juntas dos dedos.
— Não é como se eu não soubesse essas coisas. Eu sei que ele não é humano, não de verdade, mesmo ele tendo esses momentos incrivelmente vulneráveis que apertam meu coração. Você devia ter visto-o quando ele pulou no Metamorfo, Mallory. Ele ficou louco de raiva. Jogou o cara contra uma parede.
— Exatamente como eu teria feito. Mas com vodu de feiticeiro ao invés de vodu de vampiro.
Eu assenti.
— Mas você não teria se arrependido disso. Ele se arrependeu. Gabriel entendeu por que ele o fez, eu sei que ele entendeu. Mas isso não foi bom o
bastante. Quero dizer, é como se eu estivesse punida porque a pepita negra que Ethan chama de seu coração começou a bater de novo.
— É definitivamente injusto, querida. E eu gostaria de ter alguma coisa
mágica para dizer que consertaria tudo, mas eu não tenho.
— É só..., eu sei que ele não é perfeito. Ele pode ser frio e controlado. Mas
eu vi aquela paixão, a afeição que ele escondeu. Eu vi do que ele é capaz. Ele é só..., ele também é; eu não sei...
— Ele é Ethan.
Eu olhei para ela e funguei.
— Ele é Ethan. Por alguma razão bizarra, ele parece ser o seu Ethan. E para melhor ou pior, você parece ser a Merit dele. Isso me irrita diariamente.
— Eu sou tão estúpida.
— Não estúpida. Só humana demais para o seu próprio bem.
Eu não mencionei que nós dois havíamos criticado Morgan exatamente pela mesma coisa.
— Às vezes muito humano, às vezes não humano o bastante. E de qualquer jeito, às vezes um idiota de sangue frio.
— Agora, nisso. — Mallory disse. — Eu posso concordar.
— Ele se apaixonou você sabe.
Mallory olhou para mim.
— Apaixonado? Ethan?
Eu assenti e relatei a informação que Lindsey uma vez tinha me passado.
— O nome dela era Lacey Sheridan. Ela foi uma guarda por algumas décadas, eu acho. Lindsey acha que ele estava apaixonado por ela, embora eles tenham terminado anos atrás, quando ela começou sua própria Casa.
— Ela é um Mestre?
— Um dos doze.
— Seria apropriado que se você fosse à próxima Mestra, você seria a décima terceira Casa?
— Dado a minha sorte, muito apropriado.
Ela se levantou do sofá, e andou em direção ao corredor.
— Venha, gênio. Vamos pegar alguma coisa para você comer.
Eu coloquei minhas mãos ao redor do meu estômago, que estava
começando a se aquietar.
— Eu não estou com fome.
Ela olhou de volta e me ofereceu um olhar murcho.
— Bem, não estou com tanta fome assim. — eu disse, mas a segui até a
cozinha, de qualquer maneira. Eu tinha perdido a sobremesa, afinal.
— Santo Deus. — disse, entrando na cozinha. O que tinha sido uma cozinha caseira pequena tinha se tornado uma, bem, não tinha certeza do que chamar. A sala de poções de Hogwarts, talvez?
Eu andei até o balcão da cozinha e passei meus dedos sobre as pilhas de
livros, um baralho de cartas de tarô, caixas de sal, jarros de vidro com penas, vinhas, garrafas velhas de olhos, fósforos, e pétalas de rosas secas.
Eu tirei uma carta do baralho de tarô, o ás de espadas. Apropriado, eu pensei, devolvendo a carta cuidadosamente em cima do resto da pilha.
— O que é tudo isso?
— Dever de casa. — ela murmurou.
— Ah, meu Deus, é Hogwarts, mesmo.
Ela me deu um olhar sarcástico e começou a limpar uma parte do balcão.
— Eu estou brincando de acompanhar bruxas que vem fazendo isso por anos.
Eu puxei um banquinho e me sentei. — Eu pensei que você estava treinando sozinha?
— Eu estou. Mas eu não sou a primeira aluna do meu professor. Antes de mim, ele foi mandado para a Sibéria da feitiçaria.
— Schaumburg*?
— Schaumburg. — ela confirmou. — Antes disso, ele lecionou muitas e
muitas crianças. Crianças que receberam sua magia quando eram bem mais novos que eu. Acabou que, avançar na minha mágica aos vinte e sete anos me colocou bem atrás do resto do bando.
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Mordida duas vezes 3
VampireSinopse: Merit a mais nova vampira de Chicago, esta aprendendo como se encaixar bem com os outros. Os outros sobrenaturais, isso é, os Metamorfos de todo o país estão convocados para a Cidade do Vento, e como um gesto de paz, o Mestre Vampiro Ethan...