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Domingo, 7 de fevereiro de 2021

Afonso on

" Titi, Titi"- senti o Lourenço a saltar na minha cama repetitivamente e a gritar o meu nome

" O que foi??"- falei ensonado sem abrir os olhos

" Eu quero ver a foto do papá"- abri os olhos em admiração à espera que o Lourenço se tivesse esquecido, quando eu disse aquilo foi só para ele parar de chatear a mãe com perguntas

" Oh Lourenço, vai brincar que o tio vai tomar banho e depois mostrate"- tentei desviar o assunto, porque eu era o próprio que não queria que o meu sobrinho soubesse quem é pai

" Está bem"- o pequeno saiu do meu quarto aos pulos

Entrei dentro do compartimento onde tinha o chuveiro para tomar banho. A água cai em todo o meu corpo e a dor interior aumentava cada vez mais, a cada segundo que passava da minha vida desde o momento que deixei o meu irmão naquele apartamento sozinho.

Sinto uma dor ligeira, dentro do peito, já foi maior, mas continua a perdurar. Dor que nem tem explicação, motivo tem, mas eu pensava que com o tempo iria desaparecer.
Dá vontade de gritar, até que sai o monstro da dor de dentro de mim, mas sei que não é possível, isto acho que já não têm cura.
Parece que o meu interior não pára de chorar, e nem sabe a hora de parar, e chora porque eu guardo em mim desde sempre aquilo tudo que devia deitar cá para fora.
Tenho a sensação que estou no deserto, apesar de tudo o que tenho e que construí ao longo deste anos. Tenho a sensação de estar perto do nada, desde que me vi longe do causador das nossas dores interiores. Pode não parecer, mas todos estamos a sofrer desde o dia 2 de abril de 2018, os meus pais não são os mesmos, a Constança não tem mais aquele sorriso, a minha família não é tão unida como era, os amigos que tínhamos em comum apesar de não saberem a história verdadeira não são mais os mesmo, tudo mudou por causa de um ser humano.
Senti que os meus sonhos se desmorenaram naquele dia... Eles era o estereótipo de casal perfeito e era o meu exemplo para arranjar alguém e ser feliz para sempre, assim como eu pensava que eles iriam ser, acabaram com o meu sonho de ser feliz eternamente ao lado de alguém. Já não me acredito que o amor é para a vida, ele acabou com esse meu sonho.
Senti o pior sentimento alguma vez sentido pelo ser humano, senti a dor da perda.
Senti a minha vida vazia, o meu sorriso já não tinha graça.

"NÃO"- gritei sozinho naquela casa de banho e as lágrimas escorriam

Mesmo que tenha a ideia do sofrimento, não posso abrir a ferida passada porque sei que irá dor mais ao cicatrizar.
Sofrer assim não é justo... Não fiz nada para sofrer e no entanto estou a sofrer por não o ter, estou a sofrer de desgosto pelo que o meu irmão fez. Não há perdão possível, por muito mais que o continue a amar...

" Bom dia"- passei pela Constança no corredor que ia atarefado cheia de roupa num cesto

" Bom dia, Afonsinho"- a mulher sofredora sorriu para mim-" Está tudo bem?? Os teus olhos estão bastante vermelhos"- o seu olhar ficou preocupado

" Sim, apenas dormi mal"- detesto mentir-lhe mas não lhe ia contar que chorei durante o banho todo por ter saudades do meu irmão

A Constança ao longo deste anos tentou sempre demover-me para desculpar o meu irmão. Ela dizia que eu não me devia meter nesse assunto é que já eram águas passadas, mas eu não consigo olhar para a cara do meu irmão sem pensar no que aconteceu. Já estive várias vezes para lhe mandar um SMS para o fazer acordar para a vida. Foram várias as noites que ouvia a Constança a chorar no seu quarto durante a noite, foram várias as vezes que a vi com umas olheiras do tamanho do mundo por não ter dormido nada só de chorar toda a noite, mas acabei sempre por não lhe mandar nada, ele parecia não se importa. Mas agora que mandou aquela SMS para o Lourenço alguma esperança nasceu em mim, não uma espera que me venha a desculpa-lo, mas uma esperança que ele lute pelo filho.

I CAN'T-IIOnde histórias criam vida. Descubra agora