I CAN'T-II

9°

Quinta, 18 de março de 2021

Constança on

" Mas andam todos a passar-se nesta empresa??"- levantei e gritei com todos que estavam na reunião que o meu pai convocou à última hora

" Calma, Constança"- o meu pai meteu a mão por cima da minha numa tentativa de me acalmar

" Calma?? Calma?? Mas os estão a gozar comigo??"- olhava furiosamente para todos-" Essa Doutora anda a estragar o nome do hospital do Porto e vocês pedem-me calma?? Querem que ela saia impune depois do hospital ter que pagar duas indemnizações num prazo de dois meses?? De caminho não fazemos mais nada a não ser pagar indenizações"- gritei e toda agente me olha apressiva-" Se continuarmos assim temos que começar a despedir gente, os custos a pagar não compensam os ganhos"

" Mas vamos falar com calma"- o meu pai fez-se ouvir

" Temos ali o diretor da classe médica, ele se fosse um bom profissional nunca teria concordado em manter essa tal Doutora Teresa aqui, por causa de si ela terá que continuar a matar mais pessoas"- gritei olhando para o médico que me olhava furiosamente-" Apesar de estabelecer uma relação amorosa com a Doutora Teresa, tem que ser coerente enquanto médico e profissional, se que é mesmo, não tem que trazer a sua vida amorosa para o local de trabalho"- se o olhar matasse já estaria morta, toda a gente olhava incrédula para o médico que andava a trair a mulher

" Não lhe admito"- ele levantou-se e gritou-me

" Eu é que não admito receber mais queixas por parte dos seus colegas contra si e contra o que anda a fazer no meu hospital, se quer ter esses tipo de relação amorosa é fora do seu horário de trabalho e fora da empresa"- gritei

" Constança, chega"- o meu pai olhou para mim com cara de mau

" Eu vou-me embora antes que perca a cabeça"- peguei no meu iPad e no meu telemóvel-" Doutor, uma coisa lhe digo, deixou de ser homem apartir do momento que meteu a integridade da sua mulher em causa"- mal disse as minha últimas palavras sai disparada para o meu escritório

Toda a gente que passava por mim ficava a olhar para mim, estava muito irritada mesmo. Já estava para o confrontar há algum tempo, mas não tive coragem para o fazer antes, apenas arrebentei ali à frente de todos. Não devia, mas arrebentei...

" O que se passa??"- a Ana bateu à porta e logo assentiu

" A administração quer manter aquela médica que nos obrigou a pagar duas indemnizações cá e eu passei-me"- suspirei pesadamente tentando acalmar-me

" Eles o quê??"- olhou para mim incrédula

" Isso mesmo que tu ouviste"- suspirei-" Eu passei-me e disse em frente a toda a gente que o Doutor Antônio anda metido com essa tal Doutora Teresa"- olhava para a rapariga a minha frente que se partiu a rir

" O Doutor Antônio?? O diretor dos médicos??"- tinha uma sorriso divertido a dançar na sua cara

" Esse mesmo, eu sei que não devia, mas passei-me da cabeça e disse-lhe tudo"- tentei controlar o riso, agora que penso a cara dele teve mesmo piada

" Tu não existes"- partiu-se a rir eu juntei-me a ela

" Passei-me"- ri-me igualmente, a gargalhada da Ana é muito contagiante

Um novo batimento é ouvido no meu escritório e vi o meu querido pai do outro lado da porta.

" Boa sorte"- a Ana mal o viu levantou-se e deu-me um leve sorriso no gozo

" Eu não menti, por isso ele que nem tente"- suspirei

" Doutor"- a Ana deu passagem ao meu pai

" Obrigada, Ana"- sorriu e entrou olhando-me furioso

" Precisa de alguma coisa"- encarei o meu pai que estava vermelho de raiva, trinca o lábio inferior e tinha as veias dilatadas

" Mas a menina está bem??"- o meu pai gritou e gesticulava-" O que se fez não se faz..."- cortei o meu pai

" Não se faz?? Queria que eu visse a empresa a cair enquanto uma qualquer anda aí a matar pessoas?? Quer?? Se não quer zelar pelo nome da empresa eu quero, afinal isto também é meu"- gritei-lhe igualmente

" Mas não tem o direito de humilhar assim as pessoas"- gritou

" Não tenho?? A mulher dele está em casa ou a trabalhar enquanto o marido está a trai-la, ele é um porco e não merece consideração sequer"- gritei

" A menina precisa de umas férias, vá"- o meu pai gritou igualmente

" Preciso de quê?? O pai está bem??"- estava a ficar outra vez passada

" Não era assim, era tão mais compreensível antes do tudo o que o André lhe fez"- desta vez não gritou, mas o meu coração caiu com as suas palavras-" Era muito melhor do que é agora"- suspirou-" Consegue ser tão fria ás vezes"

" Sabe porque é que sou assim??"- gritei com as lágrimas nos olhos-" Porque no momento que o André me pôs as mãos em cima fez-me perder a minha integridade, violou os meu direitos e tirou parte da minha felicidade"- gritei-lhe a chorar

" Eu não queria..."- o meu pai começou a tentar desculpar-se, mas eu travei-o

" Claro que queria"- gritei-lhe-" Como é que acha que uma mulher se sente quando lhe é tirada a integridade?? Como??"- gritei-lhe ainda mais e ele não respondeu-" Sentimos-nos como lixo, sentimos que não há mais chão para nós suportar, sentimos que a nossa vida foi sugada e que estamos no meio do nada sozinhos, sem ninguém para nós amparar, sentimos que tudo caiu em meros segundos"- chorava

" Desculpe"- o meu pai encarava o chão sem me olhar

" Se calhar eu vou tirar mesmo uns dias de férias"- peguei nas minhas coisa e deixei-o ali sozinho

Este é um sofrimento que eu não queria para a minha vida. Mas não vou chorar por isso. Há gente que sofre mais do que eu, porque não ama e não é amada. Isso é que é fogo...

Para um ser humano o coração é o órgão mais importante tanto a nível físico com a nível sentimental. É onde guardamos o que temos de mais precioso, desde as memórias às dores, é de lá que nasce a nossa capacidade de amar o próximo.
O coração abre-se aos poucos, com cuidado. Só se abre conforme as expectativas que se vão criando em relação às pessoas , à medida que elas nos mostram que podemos confiar nelas. É mágico quando deixamos alguém entrar por completo na nossa vida.. É mágico quando damos toda a confiança possível... Porque é que as pessoas traíem?? Porque é que as pessoas magoam quando já nos tem por completo?? Não é qualquer um que entra na nossa vida, se entra é porque amamos de verdade... Porque é que chegam a este ponto?? É por nós vos deixamos ter completo??
Cada decepção que vivemos deixa uma cicatriz no nosso coração, maior parte das vezes não se consegue apagar. Um coração desiludido é como um papel machucado, por muito que se tente estica-lo ele nunca volta a ser liso como era.
A decepção é fruto de coisas que esperamos que nunca iram acontecer, não connosco, mas acabam por acontecer... A culpa de nos sentirmos decepcionada é nossa, inteiramente nossa.. Pois damos tudo pelas pessoas e elas não são nada por nós e vão mudando as regras do jogo aos poucos. Criamos demasiadas expectativa e as pessoas não alimentam, criamos as nossas expectativas com falsas palavras e promessas. E é justamente este tipo de decepção que mais dói, pois é um misto de traição e desilusão.
Sei que cada cicatriz deixa uma lembrança da dor, mas também uma lição de vida. Eu aprendi a amar com inteligência, porque custa muito amar quando não se ama com inteligência.