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Quarta, 16 de junho de 2021

André on

" Olá filho"- sorri quando vi aquele pequeno ser por detrás da camara do FiceTime

" Papá"- a excitação de por me ver era notória

" Ainda estás a almoçar??"- o pequeno ia metendo bocados de massa à boca

" Shim, um popó bateu no popó da mamã"- mal ouvi a palavra "bateu" lembrei-me de um dos piores dias da minha vida enquanto ainda estava com a Constança, o pequeno já se formava no útero da mulher da minha vida

"André, a Constança teve um acidente"- ouvi a voz de choro do meu irmão
Caiu-me tudo, tudo, tudo... O que é que aconteceu à minha menina??
" O que é que lhe aconteceu??"- saltei da cama e fiquei ali à espera de uma resposta
" Não sei estou a ir para os hospital agora, a avó dela é que me ligou "- a sua voz mantinha-se igual há segundos atrás-" Ao que parece é grave"- senti-o a chorar desalmadamente e o choro também me invadiu.
" Eu vou já para ai"- as minhas lágrimas corriam pela cara
" Como??"- a voz dele era nervosa
" Eu arranjo maneira"- desliguei o telemóvel

Um dor enorme de impotência naquele momento consumiu-me completamente, assim como uma dor angustiante consumiu-me agora ao ouvir uma simples palavra. Um dos meus maiores medos é sem duvida perder Constança mesmo que não a tenha. Ela é tão desprotegida e tão frágil... Tenho mesmo muito medo, ela não merece que nada de mal lhe aconteça. Eu, si!! Mereço que todo o mal recaía em mim, por ter deixado a fragilidade dela mais exposta.

" A mamã?? Como está??"- as minha palavras saíram rapidamente da minha boca

" Diz ao papá que a mamã esta no hospital"- ouvi o meu irmão a proferir aquelas palavras que me rebentou por dentro

" Não pode"- sussurrei

" Papá..."- o meu filho tinha feições mafiosas desenhadas no rosto, foi cortado por uma linda voz

" Meninos, deixem-se de brincadeiras"- a Constança tinha um tom autoritário- " És o maior e mesmo assim consegues ser mais criança que o teu sobrinho"- ralhava com o Afonso

" Já não se pode brincar"- o meu irmão reclamava

" Com coisas sérias, não"- suspirei de alívio, estava capaz de fugir da concentração da Selecção para ir vê-la

" Oh pronto, estão mesmo bem um para o outro"- continuava a reclamar, como eu tinha saudades das nossas "guerras" em minha casa, quando a Constança ia para lá, o Afonso dizia sempre que conspirávamos contra ele

" Oh digo eu"- a única mulher que estava aqui presente estava mal humorada-" Lourenço, não te estou a ver a comer nada"- a cara do meu filho mudou de um sorriso para uma cara cabisbaixa

" Deculpa, mamã"- o meu pequeno tinha uns olhinhos de gato das botas

" Fala com o papá e come, então"- o meu filho voltou a olhar para o telemóvel da mãe

" Como tem corrido a escolinha??"- sorri para o meu campeão

" Bem, tá qase a acabal"- o seu sorriso transcendia qualquer coisa de magnifico no mundo

" Boa, tens jogado muito futebol com o Titi??"- adorava conseguir-lhe incutir-lhe o amor que tenho pelo futebol

" Não, o Titi tem que tabalhar"- suspirou triste-" O vovó Bikiko (alcunha que dava ao meu pai) vai-me increver no Poto pala eu i joar"- sorriu

" Boa filho, o papá também jogou no porto"- sorri só de imaginar o meu filho com um mini equipamento do porto, mas logo desapareceu o meu sorriso, devia ser eu a fazer essas coisas pelo meu filho e não o meu pai

" A mamã motou fotos tuas"- o pequeno falou inocentemente

" Lourenço"- a Constança repreendeu-o envergonhadamente, presumo eu

" Quando o vovó te levar tens que tirar muitas fotos, para mandar ao papá"- tentei desvalorizar o assunto anterior para não deixar a Constança mais constrangida

" Está bem papá"- meteu uma garfada de comida à boca

" Olha filho, o papá agora vai ter treino e logo depois do jantar eu ligo-te, pode ser??"- sorri

" Shim"- sorriu igualmente, o sorriso dele era exactamente como o meu, bastante aberto

" Beijinhos filho"- atirei-lhe um beijo

" Beijinhos papá"- atirou outro e desligou 

Sentir que estou a fazer parte da vida quotidiana do meu filho, faz-me sentir-me quase completamente feliz. As minhas relações humanas têm vindo a crescer e a melhorar, desde que estou a começar a ser aceite na vida das pessoas que errei no passado. Sinto que agora vivo com um preposito e não vivo mais por viver, sinto que tenho novamente objetivos pessoais e sinto que todos os objetivos que antes tinha trilhado a nível profissional estão finalmente a concretizar-se. Estou vivo novamente e eu sinto isso ao longe... Orgulho-me de mim neste momento e orgulho-me de me estar a tornar no meu verdadeiro eu novamente. Não tenho palavras para dizer o quão défices foram os meus dias opôs ter sido deixado para trás. Mas também não tenho palavras para descrever o que sinto agora novamente, quase que se consegue comparar a felicidade extrema que já senti. Eu tenho quase tudo para ser feliz... Só não a tenho a ela, mas neste momento não penso que não a tenho, só consigo penser numa maneira de a ter. Ela é a peça que me falta para completar o puzzle definitivamente. Sim, definitivamente porque errar como errei, nunca mais voltar a errar, porque nunca mais vou pôr em hipótese o facto de os puder perder a todos novamente. Não vou correr esse risco, aliás nem quero correr esse risco. Já corri muitos riscos, agora não tenho capacidade para correr mais.

I CAN'T-IIOnde histórias criam vida. Descubra agora