Capítulo XII

12 2 0
                                    

   Pela primeira vez Levine não vestiu a sua pelica, e com uma podiovka de pano e botas altas foi dar um giro pela fazenda, transpondo ribeiros que a luz do Sol tornava resplandecentes e pisando ora finas camadas de gelo, ora lama pegajosa. 

   A Primavera é a época dos projetos e dos planos. Levine, ao sair de casa, sabia tão pouco o que ia fazer na sua herdade como qualquer árvore na Primavera ignora como e em que sentido se estenderão os seus ramos e as suas hastes novas ainda envoltas nos botões. Não sabia o que ia fazer, mas sentia se cheio dos melhores propósitos Antes de mais nada, foi ver o gado. Tinham soltado as vacas, que, bem aquecidas e com o pelo novo reluzindo, mugiam, ansiosas por se verem em pleno campo. Levine, que a todas conhecia muito bem, uma por uma, depois de contemplá-las, mandou conduzi-las ao pasto e que soltassem os bezerros. O pastor, rápido, preparou se para sair enquanto as vaqueiras, com as saias arregaçadas e os pés descalços ainda não queimados pelo sol, patinhavam na lama atrás das bezerras que a Primavera fazia mugir de alegria e que elas, de vara em punho, impediam de sair do curral.

   Levine pôs se a admirar as crias daquele ano, extraordinariamente bonitas bezerras ainda não desmamadas já estavam do tamanho de vacas comuns e a filha de fava, com três meses, parecia já ter um ano. Mandou que trouxessem as selhas e as manjedouras e pusessem feno no curral. Como não haviam sido usados durante o Inverno, os barrotes das cercas estavam quebrados. Levine mandou chamar o carpinteiro contratado para consertar a máquina de debulhar, mas este reparava as grades, que já deveriam ter ficado prontas desde o Carnaval. Levine não escondeu quanto isso o contrariava sempre a mesma desordem, contra a qual lutava debalde há tanto tempo! As manjedouras, ficou sabendo que haviam sido arrumadas, durante o Inverno, nas cavalariças e, de material barato, não tardou que se quebrassem. Quanto aos arados e demais apetrechos, que três carpinteiros, pagos para isso, deviam ter reparado também durante o Inverno, só agora estavam a ser consertados, quando já estava na hora de começar os trabalhos do campo. Levine mandou procurar o administrador, mas não teve paciência de esperar e foi ele próprio à sua procura. Encontrou-o à saída da granja, com um tulup guarnecido de astracã, retorcendo uma palha entre os dedos, radiante, como a terra inteira nesse dia. 

   — Porque não está o carpinteiro a trabalhar na máquina?

   — Era isso que eu lhe queria dizer ontem é preciso consertar as grades. Chegou a altura de começarmos a lavrar. 

   — Que fizeram durante o Inverno?

   — Para que precisa do carpinteiro, agora? 

   — Onde está o cercado dos bezerros? 

   — Já mandei levá-lo para o seu lugar. Que quer o patrão que se faça com esta gente? — replicou o administrador, esboçando um gesto de desalento.

   — Com esta gente, não, com um administrador destes. Que estava o senhor a fazer aí? — respondeu Levine, exaltando se, mas lembrando-se a tempo de que os gritos nada resolviam, calou-se, limitando-se a suspirar.

   — Está bem — continuou, depois de um momento de silêncio — Bom, e a semeadura?

   — Amanhã ou depois de amanhã podemos meter mãos à obra atrás de Turkino. 

   — E o trevo? 

   — Mandei o Vacili e o Michka semeá-lo, mas não sei se eles conseguirão Ainda há muita lama. 

   — Quantas desiatinas (Nota 10) vão semear? 

   — Seis. 

   — Por que não todas? — exclamou Levine, que ainda mais irritado ficou com esta notícia. Em vez de vinte desiatinas, só iam semear seis. Na verdade, por experiência própria pudera verificar quão certa era a teoria segundo a qual o trevo, para ser forte, devia semear se o mais cedo possível, quase debaixo da neve. E nunca conseguira que fizessem o que ele mandava! 

Anna Karenina - Liev TostoiOnde histórias criam vida. Descubra agora