Capítulo III

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   — A propósito — continuou Sérgio —, estava precisamente a pensar em ti: pelo que vejo, a dar ouvidos àquele médico, que me não parece nada tolo, passam-se coisas incríveis na tua região. E isso leva me a repetir-te o que já te disse fazes mal em te manteres afastado e em não assistires às reuniões do zemstvo. Se as pessoas da nossa classe se desinteressam disso, haveria uma desordem de todos os diabos! Para onde vai o nosso dinheiro? Nós é que pagamos e eles trabalham a soldo Não há escolas nem farmácias, nem enfermeiras nem parteiras, nada. 

   — Que queres tu que eu faça? — replicou, contrariado, Constantino Levine — Fiz o possível por me interessar por tudo isso, mas está além das minhas possibilidades.

   — Ora aí está uma coisa que me custa a admitir Vejamos, quais são as causas da tua abstenção! Indiferença? Não posso acreditar Incapacidade? Ainda menos Apatia? Talvez. 

   — Nada disso — replicou Constantino — Convenci me, muito simplesmente, de que não conseguiria nada. 

   Prestava pouca atenção a Sérgio. Um ponto negro, que se agitava lá adiante, nos campos lavrados do outro lado do curso de água, chamava-lhe a atenção, não seria o administrador a cavalo? 

   — Por quê? Por quê? — insistia Sérgio Ivanovitch — Desistes muito facilmente. Não terás amor-próprio?

   — Que vem aqui fazer o amor-próprio? — retorquiu Constantino, fendo pelas palavras do irmão — Se na Universidade me tivessem considerado incapaz de compreender tão bem como os meus camaradas o cálculo integral, teria apelado para o meu amor próprio. Mas, neste caso, temos de principiar por saber se este gênero de atividade exige capacidades especiais e se é um gênero de trabalho muito importante. 

  — Achas então que não é importante? — exclamou Sérgio, ofendido pelo facto de ouvir o irmão tratar com tanta ligeireza coisas que ele muito prezava, que ele considerava de grande importância, e além disso vexado por verificar que Constantino não prestava grande atenção às suas palavras. 

   — É um facto, que hei-de eu fazer? Tudo isso me deixa indiferente — replicou Constantino, que acabava de convencer se de que o ponto preto no horizonte era, de facto, o administrador, que naquele momento dispensava os trabalhadores, pois estes recolhiam as alfaias "Já terão acabado de arar!", pensava ele.

    — Isso, meu caro, não — disse Sérgio, e o seu belo rosto inteligente ensombrou se — Há limites para tudo. Compreendo perfeitamente que se deteste a prosápia e a mentira, sei muitíssimo bem que a originalidade é uma virtude. Mas o que acabas de dizer não tem sentido. Como podes tu achar que não é importante que essa gente que dizes estimar "Nunca disse semelhante coisa", pensou Constantino Levine — morra abandonada! As parteiras improvisadas matam as crianças e o povo morre na ignorância, vítima do primeiro amanuense. E quando surge uma forma de os ajudar, tu afastas-te, dizendo tudo isso não tem importância. 

   E Sérgio apresentou ao irmão o seguinte dilema: 

   — De duas uma: ou a noção do dever é coisa que tu não compreendes ou não estás disposto a sacrificar o teu repouso ou até talvez a tua vaidade... 

   Constantino compreendeu que, se não queria passar por egoísta, não tinha outro remédio senão submeter-se; sentia-se mortificado. 

   — Nem uma coisa nem outra — declarou em tom peremptório.— Mas não acho possível... 

   — Que dizes? Pois achas que um melhor emprego das contribuições não permitiria, por exemplo, organizar uma assistência médica séria? 

   — Não, não creio. Esqueces, efetivamente, que a nossa província abrange uma área de quatro mil verstas quadradas e que muito freqüentemente, com os rios gelados, as tempestades de neve e as épocas de trabalho intensivo nos campos não há comunicações. Além disso, não acredito na eficácia da medicina, para te falar com franqueza.

Anna Karenina - Liev TostoiOnde histórias criam vida. Descubra agora