Capítulo XXII

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   Quando Vronski consultou o relógio no terraço dos Karenines estava tão alterado e absorto nos seus pensamentos que olhou para os ponteiros sem atentar na hora. Saiu do jardim e pisando, cauteloso, a lama do caminho encaminhou-se para a caleche que o aguardava. Estava tão compenetrado do sentimento que Ana lhe inspirava que não pensou nas horas nem refletiu sobre se teria tempo de ir a casa de Brianski. Caso assaz freqüente, a memória recordava-lhe o que decidira fazer, sem que a reflexão interviesse no seu estado de espírito. Aproximou-se do cocheiro, que dormitava na boleia da caleche à sombra já oblíqua de, uma frondosa tília, contemplou as nuvens de mosquitos que volteavam por cima dos cavalos cobertos de suor, e, pulando para dentro do carro, acordou o cocheiro, a quem deu ordem de seguir para casa de Brianski. Só depois de percorrer umas sete verstas, caiu em si, e de tal maneira que de novo consultou o relógio, dando-se conta de que eram cinco e meia e de que se fizera muito tarde. 

   Naquele dia devia haver várias corridas: a primeira era a da escolta imperial, depois a de duas verstas, para oficiais, em seguida a de quatro e finalmente aquela em que ele próprio, Vronski, tomaria parte. Tinha tempo de chegar ao campo para isso mesmo, mas, se fosse a casa de Brianski, corria o risco de não chegar se não depois da Corte. Não pareceria bem. Mas dera a sua palavra a Brianski de como iria a casa dele, e resolveu cumpri-la, ordenando ao cocheiro que não tivesse dó dos cavalos. 

   Em casa de Brianski esteve cinco minutos e regressou a trote. Essa corrida veloz acalmou-o. O que havia de penoso nas suas relações com Ana e o facto de não terem chegado a um acordo depois da última conversa, tudo se lhe varreu do cérebro. Agora pensava nas corridas com satisfação e entusiasmo, pensava que chegaria a tempo, e de vez em quando a ventura que iria ter essa noite na entrevista aprazada perpassava-lhe pela imaginação como uma luz deslumbrante. Mas à medida que se aproximava do hipódromo, ultrapassando numerosas carruagens que chegavam de Sampetersburgo ou dos arredores, cada vez se deixava mais penetrar pela atmosfera das corridas. 

   Não encontrou em casa mais ninguém além da ordenança, que o esperava à porta. Todos tinham ido para o hipódromo. Enquanto mudava de roupa, o soldado comunicou-lhe que já começara a segunda corrida, que muita gente perguntara por ele e que o moço da cavalariça por duas vezes viera informar-se. 

   Uma vez vestido, sem pressa (nunca se dava pressa nem nunca perdia o domínio sobre si mesmo), Vronski mandou que o conduzissem às barracas. Dali via-se um mar de carruagens, de transeuntes e de soldados em volta do hipódromo; todas as tribunas regurgitavam de espectadores. Provavelmente era aquela a segunda corrida; na ocasião em que entrava na barraca, ouviu a sineta. Ao aproximar-se das cavalariças, cruzou com o Gladiador, o alazão de malhas brancas de Makotine, coberto com uma gualdrapa laranja, cuja franja azul parecia enorme. —O Kord onde está? — perguntou ao cavalariço. 

   — Na cavalariça, a selar a égua. 

   Frufru já estava selada no box aberto. Preparavam-se para retirá-la de lá. 

   — Chego tarde? 

   — Ali right! Ali right! — exclamou o inglês. — Nada de nervos.

   Vronski percorreu com os olhos as belas formas da sua égua dileta, que tremia dos pés à cabeça, e, para se afastar desse espetáculo, saiu da barraca. Chegou às tribunas no momento mais oportuno para não chamar a atenção. A corrida das duas verstas estava no fim e todos os olhares se fixavam no cavaleiro da Guarda e no hussardo da escola imperial que lhe ia no encalço, ambos instigando as suas montadas, desesperadamente, a pouca distância já da meta. De todos os lados afluía gente para a meta, e um grupo de oficiais e de soldados da Guarda exteriorizava a sua alegria com sonoras exclamações, vitoriando o triunfo do oficial e camarada. Vronski misturou-se à multidão quase na altura em que a sineta anunciava o termo da corrida. O cavaleiro da Guarda, alto, salpicado de lama, que chegara em primeiro lugar, descaíra sobre a sela e soltava de mão o cavalo, extenuado, mais escuro pelo suor que o cobria. 

Anna Karenina - Liev TostoiOnde histórias criam vida. Descubra agora