Capítulo XII

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   No momento em que Levine entrava em casa, muito satisfeito, ouviu um retinir de campainhas para os lados da entrada principal. 

   "É alguém que chega da estação", pensou ele, "é a hora do comboio de Moscovo Quem será? Nicolau? Pois não me disse ele que em lugar de ir para as águas talvez viesse para minha casa?" Por instantes sentiu se contrariado, receoso de que o aparecimento do irmão viesse estragar aquela sua boa disposição primaveril, mas, reprimindo incontinente esse sentimento egoísta, pôs-se a desejar, de todo o seu coração, com enternecida alegria, que o visitante que a campainha anunciava fosse o seu irmão Nicolau. Esporeou o cavalo e ao contornar uma moita de acácias divisou dentro de um trenó de aluguer um senhor de pelica, que não reconheceu logo "Oxalá seja alguém com quem se possa conversar?" 

   — Oh, mas é o mais bem-vindo dos hóspedes! — exclamou, daí a momentos, erguendo os braços para o céu, pois acabava de reconhecer Stepane Arkadievitch — Que prazer tenho em ver-te! 

   Para si mesmo observou "Por ele hei-de saber, naturalmente, se ela já está casada." E reconheceu que naquele esplendoroso dia de Primavera nem a lembrança de Kitty o fazia sofrer. 

   — Confessa que contavas comigo — disse Stepane Arkadievitch, apeando-se do trenó, todo ele resplandecente de alegria e de saúde, apesar de três salpicos de lama que se lhe tinham grudado no nariz, nas faces, nas sobrancelhas — Aqui me tens primeiro para te ver, segundo, para caçar, terceiro, para vender o meu bosque de Ierguchovo. 

   — Ótimo! E que te parece esta Primavera? Como pudestes chegar até aqui de trenó? 

   — De carruagem ainda era mais duro, Constantino Dimitrievitch — replicou o cocheiro, velho conhecido de Levine. 

   — Pois é o que te digo, estou contente por te ver — continuou este, com um largo sorriso infantil. 

   Conduziu o amigo ao quarto de hóspedes, onde logo lhe levaram a bagagem uma maleta, uma espingarda, no seu estojo, e uma caixa de charutos. Deixando, pois, Stepane Arkadievitch para que se arranjasse à vontade, tratou de descer ao escritório para dar ordens ao administrador a respeito dos trevos e dos trabalhos da quinta. Mas Agáfia Mikailovna, que gostava de manter os bons créditos da casa, deteve-o no vestíbulo e pediu-lhe ordens para o jantar. 

   — Faça o que quiser, mas despache-se — respondeu ele, entrando no escritório. 

   Quando voltou, Oblonski, lavado, penteado, radioso, saía do seu quarto Subiram juntos ao 1° andar. 

   — Que contente estou por me encontrar outra vez contigo! Vou, finalmente, ser iniciado nos mistérios da tua existência Falando sério, tenho-te inveja. Que casa encantadora! Como tudo aqui é claro e alegre! — declarou Stepane Arkadievitch, esquecido de que a Primavera não durava sempre e que durante o ano havia também dias escuros — E a tua velha criada só por si paga a pena da viagem. Claro que eu por mim preferia uma mocinha boa, mas a simpática velha combina bem com o teu estilo severo e monástico. 

   Entre outras novidades cheias de interesse, Stepane Arkadievitch preveniu Levine de que Sérgio Ivanovitch pensava visitá-lo durante o Verão. Não disse palavra nem de Kitty nem dos Tcherbatski, limitando-se a transmitir-lhe lembranças da mulher. Levine não pôde deixar de apreciar a delicadeza que isso significava. Aliás, a visita de Stepane Arkadievitch agradava-lhe em cheio. como sempre lhe acontecia, durante os períodos de solidão ia armazenando no seu retiro muitas ideias e impressões que lhe não era possível comunicar às pessoas que o rodeavam. Ei-lo, pois, a despejar em cima do amigo a exaltação que aquela quadra do ano lhe inspirava, os seus planos e os seus dissabores de lavrador, os pensamentos que lhe tinham vindo à mente, as observações que tinha a fazer aos livros que lera e sobretudo a ideia fundamental da obra que imaginava, ideia que constituía, sem que ele desse por liso, uma crítica a todos os tratados de economia rural Stepane Arkadievitch, sempre amável e pronto a apreender tudo no ar, mostrou-se desta vez mais encantador do que nunca. Levine julgou notar, mesmo, na sua atitude para com ele um tom novo de cordialidade diferente, que não deixava de o lisonjear. 

Anna Karenina - Liev TostoiOnde histórias criam vida. Descubra agora