Capítulo XXV

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   Ana estava no andar nobre, no seu quarto, diante do espelho, e prendia, com o auxílio de Anuchka, o último laço do vestido, quando ouviu o rodar de um carro no saibro diante do alpendre.

   "É cedo de mais para ser a Betsy", pensou ela. E relanceando o olhar pela janela viu uma carruagem e reconheceu o chapéu preto e as famosas orelhas de Alexei Alexandrovitch "Que maçada!", disse de si para consigo "Será possível que venha passar a noite?" Pareceu lhe tão terrível e espantoso o que podia acontecer que sem pensar em nada veio ao encontro dele, alegre e risonha, desde logo possuída pelo tal espírito de logro e falsidade. E deixando-se dominar por ele, principiou a falar sem saber o que ia dizer. 

   — Foste muito amável em vir! —principiou ela, estendendo a mão ao marido, enquanto sorria para Sludine, familiar da casa — Espero que passes aqui a noite — continuou, dominada pelo tal espírito de ludíbrio.

   — Iremos juntos às corridas. Só tenho pena de ter prometido à Betsy que iria com ela Vem me buscar. 

   Alexei Alexandrovitch fez uma careta ao ouvir o nome de Betsy. 

   — Oh, não quero separar as inseparáveis? — replicou no seu habitual tom irônico — Irei com Mikail Vacilievitch. O médico prescreveu me exercício. Irei parte do caminho a pé e será como se ainda estivesse nas águas.

    — Mas não há pressa — voltou Ana — Queres uma chávena de chá? 

   Ana chamou. 

   — Sirvam o chá e digam ao Seriocha que chegou Alexei Alexandrovitch. Como tens passado? Mikail Vacilievitch, o senhor ainda aqui não esteve quer ver como eu arranjei o meu terraço? 

   Dirigia se ora a um ora a outro, num tom simples e natural, mas falava muito e muito depressa, coisa de que ela própria se apercebeu, julgando surpreender um lampejo de curiosidade no olhar que lhe lançou Mikail Vacilievitch, que se encaminhou para o terraço enquanto ela se sentava ao lado do marido. 

   — Não estás com boa cara — disse lhe ela.

   — Realmente. Acabo de ser visitado pelo médico, que me fez perder uma boa meia hora. Estou convencido de que foi qualquer amigo meu que lhe encomendou o recado a minha saúde é tão preciosa! 

   — E que te disse ele? 

   Ana fazia lhe perguntas sobre a saúde e o trabalho e procurava convencê-lo a que descansasse e que viesse instalar se no campo.

   Tudo isto o dizia alegremente, falando depressa e com um brilho especial nos olhos!, mas Alexei Alexandrovitch não ligava nenhuma importância a esse tom. Limitava se a ouvir lhe as palavras, atribuindo-lhes um significado simples e literal. E respondia lhe com naturalidade, conquanto irônico. Nada se deu de particular durante a conversa, mas, tempos depois, Ana não podia recordar aquela breve cena sem experimentar um doloroso sentimento de vergonha. 

   Seriocha entrou com a preceptora. Se Alexei Alexandrovitch fosse observador, teria notado o olhar tímido e confuso com que o filho o olhou e, depois, olhou a mãe. Mas Karenine, que nada queria ver, não deu por isso. 

   — Olá, rapaz! Mas crescemos, estamos-nos a fazer homens! Então, bom dia, meu rapaz!

   E estendeu a mão à criança, que estava assustada. 

   Seriocha, que já era tímido no seu trato com o pai, desde que este o tratava por "rapaz", e que dentro de si procurava debalde averiguar se Vronski era seu amigo ou seu inimigo, tinha-lhe medo. Como a pedir lhe protecção, olhou para a mãe. Só com ela se sentia feliz. Alexei Alexandrovitch, pousou a mão no ombro do filho e pôs se a falar com a preceptora. Seriocha a tal ponto parecia atemorizado que Ana julgou que ele ia chorar. Corara quando o vira entrar e, ao vê-lo agora tão intimidado, levantou se, pressurosa, e retirou a mão de Alexei Alexandrovitch do ombro do menino. Depois beijou o levou o até ao terraço e voltou para dentro.

   — Está a ficar tarde — disse ela, consultando o relógio — Por que não terá ainda aparecido a Betsy? 

   — É verdade — confirmou Alexei Alexandrovitch, e pondo se em pé fez estalar as articulações dos dedos — Vim trazer te dinheiro, deves estar precisada, nem só de cantigas vive o rouxinol. 

   — Não. Isto é sim — replicou Ana sem olhar para ele, e corando até à raiz dos cabelos — Mas voltarás depois das corridas, não é assim? 

   — Com certeza — disse Karenine — Mas aí está a beldade de São Peterov — acrescentou, descortinando, através da janela, uma carruagem à inglesa, de caixa minúscula e muito alta, que se aproximava — Que elegância! Que encanto! Então vamos nós também.

   A princesa não desceu do carro, apenas o lacaio, de polainas, capote e chapéu alto se apeou à entrada.

   — Vou me embora, adeus. Foste muito amável — disse Ana, e, dando um beijo no filho, aproximou se de Alexei Alexandrovitch e estendeu-lhe a mão. 

   Este beijou a mão que ela lhe estendia.

   — Bom, até logo! Virás tomar chá? Muito bem! — acrescentou Ana, e saiu radiante.

   Mas mal perdeu de vista o marido, estremeceu, ao sentir na mão a reminiscência do contacto dos lábios dele.

Anna Karenina - Liev TostoiOnde histórias criam vida. Descubra agora