Capítulo XXIX

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   Estava um dia desagradável, chovia desde manhã e os veraneantes, com os seus guarda chuvas, invadiam a galeria do estabelecimento balnear Kitty e a mãe também lá estavam a passear com o coronel que se exibia jovial, no seu trajo europeu comprado em Francoforte. Confinavam o seu passeio a um dos lados da galeria, procurando evitar Levine, que passeava no outro Varienka, com o seu vestido escuro e o chapéu preto de abas descaídas, ia de ponta a ponta da galena acompanhando uma francesa cega. Sempre que se cruzava com Kitty, ambas se olhavam amistosamente.

   — Mãezinha, posso falar lhe? — perguntou esta, que seguia com os olhos a amiga desconhecida, ao ver que ela se aproximava da fonte e ali podiam reunir se. 

   — Decerto, já que tanto o desejas, mas primeiro quero colher informações Eu lhe falarei — replicou a mãe — Que lhe achas tu de especial? Deve ser uma dama de companhia Se queres, travarei relações com Madame Stahl. Conheci a sua belle-soeur (Nota 16) — acrescentou a princesa, erguendo com altivez a cabeça.

   Kitty sabia que a princesa se sentia ofendida, porque Madame Stahl parecia não estar disposta a falar lhe. E não insistiu. 

   — É encantadora! — exclamou, olhando para Varienka, que oferecia um copo de água à francesa — Repare que tudo o que ela faz é simples e agradável.

   — Divertem me os teus engouements (Nota 17) — disse a princesa — É melhor afastarmo-nos — acrescentou, ao ver Levine, que caminhava direito a elas, com a tal senhora e um médico alemão, com quem falava em voz alta e azeda. 

   Já retrocediam, quando ouviram gritos. Levine parara, vociferando, e o médico alemão também parecia irritado. Em volta deles havia já um ajuntamento. A princesa e Kitty trataram de se afastar, apressadas, enquanto o coronel se unia à multidão para inteirar se do que se tratava. Minutos depois, o coronel alcançava as de novo. 

   — Que foi? — perguntou a princesa.

   — Uma vergonha! — exclamou o coronel — Não há nada que eu mais tema do que encontrar me com russos no estrangeiro. Aquele cavalheiro alto zangou se com o médico e disse lhe impertinências, porque ele o não trata como deve. Até o ameaçou com a bengala. Que vergonha!

   — Que coisa tão desagradável! — comentou a princesa — Mas como acabou aquilo?

   — Graças a Deus interveio essa senhora, a do chapéu de cogumelo Acho que é russa — disse o coronel. 

   — Mademoiselle Varienka? — perguntou Kitty com alegria. 

   — Sim Isso mesmo Foi ela quem teve mais presença de espírito Travou do braço do cavalheiro e levou o consigo. 

   — Vês, mãe, e admiras te que eu me encante com ela? — exclamou Kitty. 

   No dia seguinte, enquanto observava a sua amiga desconhecida, Kitty notou que as relações de Mademoiselle Varienka com Levine e a mulher eram iguais às que mantinha com as suas restantes protégees (Nota 18).

   Aproximava se deles, falava lhes e servia de intérprete à mulher, que não sabia nenhum idioma estrangeiro.

   Kitty voltou a implorar à mãe que a deixasse travar relações com Varienka. Ainda que lhe desagradasse dar o primeiro passo para conhecer Madame Stahl, uma orgulhosa, resolveu informar se acerca de Varienka e pôde concluir que não havia nada de mal, embora, por outro lado, nada de bom pudesse advir daquele conhecimento. E ela própria se aproximou de Varienka para o estabelecer. 

   Escolheu o momento em que a filha fora à fonte e Varienka se detinha diante de uma confeitaria.

   — Permita que me apresente — disse a princesa com o seu sorriso cheio de dignidade. — Minha filha está encantada consigo. Talvez não me conheça. Sou... 

   — É um sentimento recíproco, princesa — respondeu de pronto Varienka. 

   — Que boa ação praticou ontem com o nosso triste compatriota — continuou a princesa. Varienka corou. 

   — Não me lembro, creio que nada fiz — replicou. 

   — Como assim? Evitou um desgosto a esse Levine. 

   — Ah, sim! Sa compagne (Nota 19) chamou-me e procurei sossegá-lo; está muito doente e o médico não lhe agrada. Estou habituada a tratar com doentes assim. 

   — Ouvi dizer que vive em Menton com a sua tia, creio, com Madame Stahl. Conheci a belle-soeur de sua tia. 

   — Não é minha tia. Trato-a por maman, embora não seja parenta dela. Mas foi ela quem me educou — respondeu Varienka, corando de novo. 

   Disse isto com tanta naturalidade, com uma expressão tão sincera, que a princesa compreendeu por que a filha simpatizara tanto com ela. 

   — Que é feito desse tal Levine? — perguntou a princesa.

   — Vai-se embora — tornou-lhe Varienka. 

   Nesse momento chegava Kitty, que vinha da fonte, radiante de alegria por ver a mãe conversar com a sua desconhecida amiga. 

   — Pois bem, Kitty, desejavas tão ardentemente conhecer Mademoiselle... 

   — Varienka — disse a jovem, sorrindo. — É assim que todos me chamam. 

   Kitty rosou-se de alegria e durante longo tempo apertou a mão que a nova amiga abandonava, inerte, na sua. No entanto, embora não correspondesse àquele aperto de mão, o rosto de Mademoiselle Varienka iluminou-se de um suave sorriso, ao mesmo tempo alegre e um tanto melancólico, que lhe descobria os dentes grandes, mas bonitos. 

   — Há muito que também o desejava. 

  — Mas está sempre tão ocupada... 

  — Oh! Pelo contrário, não tenho nada que fazer — disse Varienka. 

  Naquele mesmo momento, porém, teve de abandonar os seus novos conhecimentos, porque vinham para elas duas meninas russas filhas de um doente. 

   — Varienka, a mãezinha está a chamá-la! — gritaram-lhe. 

   E ela retirou-se em companhia das meninas.

Anna Karenina - Liev TostoiOnde histórias criam vida. Descubra agora