Capítulo XXXIII

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   O príncipe comunicou o seu alegre estado de espírito à família, aos da casa, a todos os conhecidos e até mesmo ao alemão seu hospedeiro. Ao regressar do balneário, o príncipe Tcherbatski, que convidara para tomar café o coronel, Maria Evguenievna e Varienka, deu ordens para que levassem uma mesa e cadeiras para o jardinzinho, e que ali, debaixo de um castanheiro, fosse servido o pequeno almoço. O senhorio e a criada animaram-se, contagiados pela alegria do velho príncipe, que, alias, como eles o sabiam, além de alegre era generoso. E deste modo, meia hora depois o locatário do 1o andar, um médico de Hamburgo, enfermo, coitado, podia contemplar da sua janela, com certa inveja, o grupo de folgazões, todos de óptima saúde, reunidos debaixo do castanheiro. A sombra oscilante da grande árvore, diante da mesa coberta com uma toalha branca, sobre a qual havia cafeteiras, pão, manteiga, fiambre e caça fria, sentava se a princesa, de touca de dormir, com fitas lilases no alto da cabeça, e distribuía as chávenas e as fatias de pão. No outro extremo estava o príncipe, comendo com apetite e falando animadamente em voz alta. Expusera à sua roda os presentes que trouxera da viagem cofrezinhos de madeira lavrada, cestinhos de junco, facas de cortar papel, que se entretinha a distribuir sem esquecer, nem a criada Linchen, nem o hospedeiro, a quem dizia, no seu mau alemão, as coisas mais cômicas assegurando-lhe que não eram as águas que tinham curado Kitty, mas a sua excelente cozinha, especialmente as suas sopas de ameixas. A princesa arreliava o marido, amistosamente, falando lhe nas suas mamas russas, desde que estava nas termas, porém, era a primeira vez que se nos trava tão alegre e animada. Como sempre, o coronel na se das graças do príncipe, mas a respeito da Europa, que, segundo julgava, estudara a fundo, era da opinião da princesa. A boa da Maria Evguenievna morria a rir com as saídas do príncipe e Varienka na com um riso suave, mas comunicativo, que os gracejos do príncipe lhe despertavam, coisa que Kitty nunca tinha visto nela. 

   Este espetáculo, porém, não conseguia fazer com que Kitty esquecesse as suas preocupações no julgamento frívolo que fizera dos seus amigos e da sua nova vida, que tão bela se lhe afigurava, o pai, involuntariamente, apresentara lhe um problema assaz difícil de resolver e que a mudança de atitude de Madame Petrov ainda vinha complicar mais, mudança essa que acabava de se manifestar num desabrimento bem desagradável. Todos riam, mas essa alegria longínqua turvava Kitty que se julgava de regresso aos tempos da sua infância, quando, fechada no quarto, para castigo de qualquer travessura, ouvia rir as irmãs sem poder brincar com elas. 

   — Para que compraste tu todas essas bugigangas? — perguntou a princesa, sorrindo, enquanto servia uma chávena de café ao marido.

   — Que queres tu? Se vamos dar um passeio e nos aproximamos de uma loja, há logo quem nos peça que compremos qualquer coisa, dizendo "Erlaucht, Excellenz, Durchlaucht (Nota 21)" Quando me chamavam Durchlaucht, já me não podia conter lá iam dez táleres.   

   — Isso era porque andavas aborrecido — disse a princesa. 

   — É verdade, minha filha, uma pessoa aborrece se de morte nestas terras. 

   — Que me diz, meu príncipe? — exclamou Maria Evguenievna — Há atualmente tantas coisas para ver na Alemanha! 

   — Mas já as vi todas. Já comi sopa de ameixas e salsichas alemãs. Conheço tudo isso. 

   — Diga o que disser, príncipe — objetou o coronel —, as instituições alemãs são interessantes.

  — Interessantes em quê? Os alemães sentem se contentes por terem vencido todo o mundo. Que tenho eu com isso, não me dirá? Não venci ninguém. E em compensação vejo-me obrigado a descalçar as minhas próprias botas e, o que é pior ainda, a deixá-las à entrada da porta, no corredor. De manhã tenho de me levantar, de me vestir, e de descer depois até à sala de jantar para tomar um chá horrendo. Em casa é outra coisa! Acordamos pela manhã sem pressas, temos tempo de nos zangar, de barafustar e de sossegar por fim para pensar descansadamente na nossa vida. 

Anna Karenina - Liev TostoiOnde histórias criam vida. Descubra agora