Capítulo 2

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— Ela está um pouco abalada, Sr Adans, é normal, afinal é uma dor muito grande.- escuto José falar, abro os olhos, ele me encara sério. Faz um gesto se quero falar com meu avô, faço que sim.- ela acordou, vou lhe passar o telefone.- me passa o telefone, tento acordar, melhorar minha voz:

— Vovô.

— Ah, minha pobre criança.- sua voz é abafada, sei que se controla, também sofre com a morte da única filha.- sinto tanto, gostaria de ser jovem para poder enfrentar uma viagem e ir te consolar.

— Tudo bem vovô, eu entendo.- ele está com quase setenta anos, tem problemas de locomoção, por causa de um AVC, sei que ele deve estar sofrendo muito mais do que eu.

— Venha para cá, passe uns tempos comigo.- sua voz é controlada de novo.- você trabalha muito, e passou por tanta coisa nesses últimos meses.

Penso por um instante, meu avô é a única pessoa de meu sangue que tenho, a única família agora, além de José, é claro e ele já está tão velhinho, tão debilitado.

Penso no que aconteceu com minha mãe, era tão linda, tão cheia de vida e sonhos, e de repente uma simples gripe virou em pneumonia para depois descobrirmos que ela estava com câncer.

Todos os tratamentos que fizemos, o dinheiro que meu avô gastou em hospitais e nada foi suficiente para ela continuar conosco.

Tenho vontade de chorar de novo.

— Ana!- José me chama, me tirando de meu transe.

— Vovô, acho que vou sim.- falo de uma vez.

— Que bom, fico imensamente feliz e aliviado com isso.

— Vou levar José.- olho para José que abre a boca de espanto.

— Ótimo, o ar do Kansas vai fazer bem a vocês.

— Vou me programar, conversar com meu supervisor e depois combino com o senhor.

— Está bem, mas até lá, tente ficar bem e se precisar da palavra de um velho solitário, estou aqui.

— Eu sei Vovô.- falo secando uma lágrima.- até mais.

— Até minha criança.- desliga o telefone, olho para José que está parado no mesmo lugar, quase acho graça disso.

— Tudo bem.- ele começa, - amo você, posso tirar minha licença para ficar com você , mas agora ir para uma fazenda no Kansas?- ele arregala os olhos.- acho que é muita prova de amor.- sorri em seguida.- O que não faço por você minha Fada?

Sorrio em pensar o que ele realmente faria.

— Obrigada.- murmuro em meio a um meio sorriso.- também te amo.

— Seu avô está muito abalado.

— Com razão, ela era filha única.

— Ainda bem que sua mãe foi para lá no começo do ano, quando ele sofreu o AVC, parecia que estava adivinhando.

— Ainda bem que eles se perdoaram, isso sim.- falo me referindo a briga que passei a minha vida toda presenciando, briga que havia tido fim, um ano antes, briga que começou quando minha mãe, com vinte anos, fugiu do Kansas para Seattle com meu pai. Meu avô não gostava de meu pai, e ele sempre teve razão, somente minha mãe que não viu e foi perceber isso tarde demais, dez anos depois, quando ele quase a matou em uma bebedeira.

Meu avô fez o papel de pai, mandou homens de confiança dele, virem nos ajudar, nos afastar dele, mas nunca quis ver ou manter contato com minha mãe, mas comigo ele era diferente, veio me conhecer, estávamos sempre em contato por telefone, sempre que podia ia me buscar na escola, nem que fosse apenas para dar um beijo e lancharmos fora, depois voltava para Kansas, acho que direcionava a mim, o amor que minha mãe renunciou, eu até tentava fazer com que eles se conversassem, mas os dois eram cabeças duras demais. Meu avô pagava meus estudos e me mimava muito, esse apartamento que vivemos, foi presente dele, quando completei dezoito anos, já que passamos a vida toda morando de aluguel, pago com o pouco que minha mãe ganhava como empregada na casa de um rico casal e o auxilio social recebido por José, que mora conosco desde os quinze anos de idade, eu o tinha como meu irmão e meu avô percebendo a nossa amizade, o ajudava também nos estudos, por isso que nos formamos no que sonhamos a vida toda. Eu só conhecia sua fazenda em Kansas, através de fotos, que ele me mandava, orgulhoso de ser a terceira geração a comandar aquelas terras, pois estava sempre estudando e depois que me formei, a minha vida de comissária de voo, me impedia de ir para lá. Sorrio em pensar que já voei o pais inteiro e nunca pousei em Kansas.

— É melhor ligar para Conan, marcar nossa licença.- José fala, se levantando e indo buscar seu celular.- pensando bem, até que será bom, poderemos conhecer alguns cowboys.- faço uma careta- você tem que viver Fada, se lembrar que tem vinte e dois anos, e é linda, poderia ter milhares de homens a seus pés.

— Mas não quero nenhum.- falo com mau humor, odeio essas cobranças.- ligue para Conan, marca de jantarmos com ele, aqui em casa, e resolvemos nossa licença.- olho zombeteira para ele.- acho que é melhor omitir sobre os cowboys, pode ser que ele não goste.

José me encara com os olhos negros e a sombra de um sorriso nos lábios, sabe o quanto Conan é ciumento.

Levanto-me e vou ao banheiro, volto e José já havia saído do quarto, olho de novo para o closet de minha mãe, resolvo começar o processo de aceitação, vai ser melhor, partir em viagem e na volta, encontrar nosso apartamento sem as coisas dela, sem as lembranças materiais, afinal, tudo o que preciso me lembrar dela, está aqui no meu coração e nunca vou querer apagar.

Penso em procurar alguma entidade para doar suas coisas, é algo que dói, mas penso em quanta gente vagueia pelas ruas precisando de um casaco, um sapato, sim, a dor da perda de minha mãe, tenho que lidar dentro de mim, mas se posso amenizar a dor de alguém por que não fazer?

Mesmo em meio a lágrimas, começo a minha tarefa, árdua, mas sei que será bem gratificante para outras pessoas.

50 Tons- Escolhas do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora