Capítulo 10: Eu matei alguém.

3K 249 3
                                    

-Eu matei alguém - disse assim que Harley fechou a porta do quarto.

A médica encarou a menina perplexa.

  -O que? Como fez isso e por que?

Julie contou toda a história do colégio para Harley que ficou indignada com o que fizeram e afirmou estar orgulhosa do modo como reagiu.

  -Não se orgulhe tanto - disse suspirando tristemente.

  -Mas isso não a fez matar ninguém - disse Harley.

  -Eu não terminei a história - respondeu a menina - Assim que saí do colégio naquele dia, prometi para mim mesma que minha vingança não tinha acabado, tenho distúrbios de controle emocional, principalmente raiva, você sabe disso...

  -Sim, eu sei - a doutora suspirou - Prossiga.

  -Quando cheguei em casa, peguei uma mochila e coloquei tudo que precisava dentro, eu não estava pensando nas consequências que aquilo poderia me trazer.

Julie olhou para paisagem que a janela grande do quarto proporcionava da cidade.

  -Primeiro fui até a casa de Chloe e roubei a gatinha que ela tanto amava, levei o animalzinho para longe, eu pretendia matá-lo, mas não tive coragem quando aqueles olhinhos felinos me encararam assustados, então apenas deixei ele preso em meu quarto. Depois disso, fui até a casa de Sandy e encontrei seu diário, deixando-o no quarto do pai dela. Esperei até que ficasse mais tarde, eu sabia que Melissa ia acabar indo até a casa de Tyler. Quando vi o carro dela estacionar em frente, me preparei para entrar em ação. Quando os dois já estavam juntos no quarto dele, tirei fotos sem que eles vissem e na manhã seguinte espalhei por todo o colégio - ela parou de falar para tomar ar - Depois, desenhei um lindo coração na lataria do carro de Matthew e escrevi um e-mail do computador dele para o treinador dizendo que ele queria sair do time e que o homem era péssimo como treinador.

  -Julie, eu...

  -Deixe-me terminar - ela tomou ar mais uma vez - Até ai, digamos que tudo bem, mas então, quando cheguei em casa, na mesma noite que destruí a lataria do carro de Matt, minha querida babá me encarou com raiva e estendeu uma carta na minha direção, era do diretor do colégio, dizendo aos meus pais que precisavam conversar, em seguida mostrou-me outra, na qual meus pais responderam ao diretor, eles disseram que fizessem o que fosse necessário fazer comigo, não tinham tempo para bobagens de criança - a voz de Julie se tornou chorosa e lágrimas quentes desceram pelo rosto dela - Foi quando percebi que meus pais não davam a mínima para mim, quer dizer, eu já sabia disso, mas ainda nutria esperanças de que talvez pudessem me amar, nem que fosse um pouco.

  -Você não precisa continuar se não quiser - disse Harley passando a mão nas costas da menina tentando acalmá-la.

  -Eu vou terminar de contar - disse Julie determinada - Depois de ler a carta, disse para Martina que ela estava demitida, corri para meu quarto e apenas joguei tudo que cabia dentro da minha mala, eu decidi ir embora - Julie caminhou até a entrada da sacada e permaneceu olhando a vista privilegiava da cidade - Assim que percebeu que iria perder o emprego de sua vida, ou melhor, o dinheiro, Martina foi até meu quarto e me deu um tapa no rosto, gritou comigo, e em seguida bateu novamente, os gritos foram ouvidos e o mordomo entrou no quarto, achei que ele fosse me ajudar.

Harley prendeu a respiração nesse momento.

  -Ele me pegou pelos pulsos e me jogou no chão, enquanto Martina fechava a maldita porta - Julie lutava para conter as lágrimas e continuar a história - Eu estava desesperada, não sabia o que fazer naquele momento, então ele jogou o corpo contra o meu, bateu minha cabeça no chão e puxou a saia que eu usava para cima, foi o momento mais humilhante da minha vida.

Harley deixou que as lágrimas corressem por seu rosto, não sabia o que dizer naquele momento.

  -Ninguém me ouvia ou todos fingiram que não me ouviam, todos aqueles milhares de empregados e nenhum deles fez nada, eu nunca tinha sido ruim para eles, não entendia como me odiavam tanto - ela respirou fundo - Quando ele terminou o ato nojento, eu me sentia morta, eu não conseguia olhar para mim mesma jogada naquele chão enquanto Martina ria de mim, então saíram do quarto, eu fiquei por muito tempo ali do mesmo jeito, eu queria não existir mais. No dia seguinte, eu acordei e encarei meu rosto no espelho, vi as marcas avermelhadas em meus pulsos pelo aperto da mão daquele homem, e naquele momento, um grande ódio tomou conta de mim.

Julie virou-se para Harley e sentou do lado dela na cama.

  -Então conheci Coringa - disse ela - Eu não sabia quem ele era, só sabia que poderia me vender uma arma e ele vendeu. Me ensinou como usar e me perguntou o que eu pretendia fazer, com toda a coragem que tinha, contei à ele, então acho que deve imaginar que Martina, o mordomo e todos da casa pagaram pelo que fizeram, entretanto, eu pedi que ele me deixasse matar a babá, e ele permitiu, sabia o que significava, então eu fiz, atirei nela, mas eu estava louca, eu não queria parar, era culpa de todo mundo, fui atrás de Melissa, e... Bem, eu atirei nela e em Tyler enquanto eles estavam juntos novamente no quarto dele, mesmo após as fotos terem sido espalhadas pelo colégio, eles continuavam se encontrando escondidos, e era culpa deles que aquela maldita aposta tinha sido feita com Matthew e eu tinha me vingado e o diretor mandado a carta, e todo o resto, eu queria ir atrás de Sandy também, e de Matt, mas antes que eu conseguisse fazer isso, meus pais foram informados do que aconteceu, fiz a burrice de deixar digitais espalhadas pela casa, logo me acusaram, e meus pais, é claro, sequer contrataram um advogado, estavam convencidos de que a culpa era minha, e me desprezavam naquele momento, então me colocaram no Arkham, nunca mais os vi, apenas me informavam se viriam me visitar ou não, e eles nunca vinham, desde então eu permaneci lá, até Coringa chegar também e planejar nossa fuga.

Sem saber o que dizer, Harley sequer imaginava que essa fosse a história de Julie, ela sabia que algo tinha acontecido com a menina, mas não tinha noção do que poderia ser, e isso a deixou totalmente chocada e com muita raiva.

-Você nunca foi louca para mim, Julie, em todo o tempo dentro do Arkham - disse ela - Eu sempre vou acreditar em você, sempre vou estar do seu lado, você é a amiga e irmã mais nova que eu nunca tive, eu nunca vou te deixar sozinha - abraçou a garota quando lágrimas desceram pelo rosto dela - O que fizeram com você foi desumano, e são pessoas como essas que deveriam receber tratamento, e não você - afastou a menina e segurou o rosto dela com as duas mãos - Quanto aos seus pais, nunca saberão o que perderam, nunca saberão a garota incrível e inteligente que você é, e pode apostar que a felicidade está longe deles, mas tenho certeza de que está perto de você.

As duas se abraçaram e choraram juntas, deixando que a falta de palavras e o som do choro delas falasse por si só naquele momento. A noite estava clara por conta da lua cheia, e uma leve brisa vinha da sacada, abraçando-as e quase como se as confortassem.

Assim que se acalmaram, decidiram que era hora de voltar para o salão, enxugaram as lágrimas e arrumaram a maquiagem o quanto conseguiram, elas ainda tinham a noite toda para não se lembrarem mais disso, e Harley prometeu a si mesma, silenciosamente, que jamais abandonaria Julie, sentia-se responsável pela garota, e nunca mais deixaria que a magoassem.

ArkhamOnde histórias criam vida. Descubra agora