1K Extra: À primeira vista

586 45 20
                                    

Filipe Borges

"Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal."

Friedrich Nietzsche

Olhei para o relógio em meu pulso vendo o quanto eu estava atrasado, se demorasse mais um pouco não conseguiria assinar a lista para ganhar as horas complementares que eu tanto precisava. Vida de bolsista é difícil, muito difícil. Talvez eu conseguisse chegar mais rápido se pudesse usar minha bicicleta em vez do transporte público... Ah, é, roubaram minha bicicleta. As pessoas entravam no ônibus, sem nem ligar para o fato de que estava completamente lotado e eu quase tinha que ficar agarrado na porta. Meu ponto era o próximo e eu não via a hora de conseguir sair dessa lata de sardinha.

O ônibus parou e eu corri para fora como se minha vida dependesse disso, e realmente dependia. Passei pelos seguranças da faculdade e alguns professores desocupados, que me olhavam com total desprezo. "Mais um desses bolsistas" com certeza era o que passava por suas mentes.

Cheguei em frente às grandes portas de madeira escura do auditório e abri um pouco, o suficiente apenas para que eu pudesse passar por elas. Olhei ao redor e quase todas as cadeiras estavam ocupadas, todos precisavam de horas. Sentei na última fileira, ao lado de uma garota com os cabelos amarrados bem no alto de sua cabeça. Ela nem notou minha chegada desengonçada ali.

— Me desculpe... — eu disse, com medo de interromper sua concentração. – A palestra começou há muito tempo?

— Na verdade, não tenho tanta certeza — ela disse confusa e eu ri. — Estou aqui só pelas horas.

Minha risada saiu baixa, tentava não chamar a atenção dos professores que caminhavam pelos corredores entre as fileiras, de olho em alunos que não prestavam atenção. Até parecia que estávamos no Ensino Médio e não na faculdade. Lembrei-me que não havia me apresentado ainda.

— Filipe, medicina — falei meu nome e curso, estendendo minha mão para ela. Se ela fosse de medicina, com certeza a conheceria.

— Marina, administração — ela pegou minha mão sorrindo. Talvez o sorriso mais bonito que eu já tinha visto.

Sorri também e voltei a atenção para o professor que falava, um dos professores de medicina. A palestra era destinada a todos os alunos da faculdade, então havia um professor de cada curso. Marina prosseguiu com o rosto virado para frente, mas seus olhos denunciavam que ela estava bem longe daqui. Ela tinha os olhos castanhos e a pele branca do rosto amassada, como quem tinha acabado de acordar. E talvez eu estivesse olhando demais para ela.

— O que foi? — ela perguntou num sussurro enquanto me olhava.

— Nada, desculpe — falei rápido e voltei a prestar atenção, podendo ouvir um risinho enquanto ela se acomodava na cadeira.

A palestra foi realmente muito chata. Os alunos bocejavam o tempo inteiro, o que já era de se esperar em uma palestra que se iniciou às nove horas da manhã. Um dos professores falou mais do que o tempo permitido, o que fez com que nem todos tivessem tempo suficiente para falar. Ainda bem.

Marina levantou, espreguiçando-se, e eu peguei minha mochila do chão enquanto também me levantava. Seria impossível sair no meio daquele mar de gente, que mais pareciam um monte de zumbis. Ficamos ali parados enquanto esperávamos o movimento diminuir para sair.

— Não vai perguntar? — ela disse e eu a encarei confuso.

— Perguntar o que?

— Ah, você sabe. Perguntar meu número, me chamar para sair ou qualquer coisa do tipo — ela falou e eu levei minha mão à nuca, sorrindo constrangido. — Você me encarou a palestra inteira, qual é, vai sair assim mesmo?

Eu dei risada do quão direta ela foi. Sinceramente? Acho que eu nunca seria tão direto com alguém como ela foi comigo. Tirei o celular do bolso, desbloqueando e abrindo a lista de contatos, logo entregando a ela para que pudesse digitar o seu número. Ela me devolveu o celular com um sorriso no rosto. Marina Flores. Eu jurava que já tinha visto esse nome em algum lugar.

— Provavelmente você já deve ter visto em algum lugar — ela disse e eu entendi que estava falando do nome. — É a floricultura da minha mãe.

— Você tem o nome numa floricultura, que legal! — falei animado e ela deu risada.

— Vamos sair daqui, só de ficar nesse lugar já me dá sono — ela disse, saindo do auditório e eu fui atrás, claro.

...

— Então você é quase um gênio? — Mari perguntou e eu ri.

— Claro que não — respondi. — Só me preparei muito para conseguir isso. O segredo é o preparo.

— Então você é quase o Batman? — ela perguntou novamente e eu ri mais.

Estávamos em uma padaria de esquina perto da faculdade, era um local bastante simples e que vendiam ótimos salgados. Que estudante não toma, pelo menos uma vez, um café da manhã composto apenas por coxinha e um copo de refrigerante? Marina me perguntava como eu consegui a bolsa para fazer medicina e me contava que estava fazendo administração porque cuidaria da floricultura da sua mãe. Eu ainda achava demais ela ter algo com seu nome.

— Agora, de verdade, eu preciso ir — ela falou pegando sua bolsa na cadeira ao seu lado e colocando no ombro. — Foi muito legal passar esse tempo com você, deveríamos repetir. Você sabe o que fazer, tem meu número.

Eu sorri e ela se despediu de mim com um beijo na bochecha. Permaneci sentado pensando, enquanto ela ia embora, que a melhor coisa que essa palestra me trouxe foi, com toda certeza do mundo, o número dela.

💐
NOTAS DE UMA AUTORA EXTREMAMENTE FELIZ

OLAAAAA, PESSOAL!

Flores para uma florista finalmente bateu seu 1k e eu estou aqui surtando de verdade. Esse extra foi escrito há um tempo e eu amo muito ele.

Essa parte da história serve para vocês entenderem como começou a relação da Mari com o Filipe (que eu amo demais, apesar de tudo), como foi o primeiro contato deles. Além de ser pela visão do Filipe, já que vocês já viram essa cena pela visão da Mari em um dos capítulos.

Espero que tenham gostado! Obrigada pelas leituras! ❤

Flores para uma florista - Livro I [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora