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Escutem a música para entrarem no clima e preparem os lencinhos. Boa leitura <3

Júlia: on

Rio de Janeiro, 20 de maio de 2017

Para Júlia,

Eu nunca sei como começar a escrever alguma coisa e você é a única pessoa que sabe disso. Bom, se você está lendo isso é porque acabou de receber a notícia de que estou morta. Não se assuste, todos sabem que um dia a morte chega. Eu lhe devo muitas e muitas explicações. Primeiramente, peço desculpas por você ser a última pessoa a saber disso. Sua mãe é covarde, nunca tive coragem de me abrir para você. Eu sinto muito. Quero que seja forte e leia essa carta até o final. Ano passado, quando você ainda morava comigo, eu estava doente. Sintomas normais até. Mas você me convenceu a ir ao médico. Lembra? E eu fui. Você não sabe mas naquele dia eu saí arrasada do hospital. Eu estava com suspeita de câncer. Eu não podia chegar em casa e contar isso para você. Então eu simplesmente inventei alguma mentira e você acreditou. Minha segunda mentira direcionada a você. Eu me arrependo muito de todas as mentiras que eu lhe contei mas eu estava desesperada. Então, quando você ia para escola, eu ia até o médico. Fazia diversos exames para descobrir se eu estava mesmo com câncer. E sim, eu estava. Não tinha mais como esconder isso de você. Dali em diante eu deveria começar a quimioterapia e a radioterapia, além de outras coisas. Fui tomada pelo medo e o receio de te contar. Então, como um ato de desespero, entrei em contato com o Eduardo. Ele me entendeu. Ele sempre me entendeu. Então ele fez questão de vir te buscar. Eu não podia ficar mais com você. Eu sabia e sentia que estava morrendo. Aos poucos, mas estava. Foi horrível te ver partir, se separando para sempre de mim. Eu queria te agarrar e dizer que estava tudo bem. Mas não estava. Esse pequeno tumor em meu pulmão foi aumentando sem nem mesmo me der conta. Minhas consultas passaram de um dia por semana para todos os dias da semana. E é por isso que poucas vezes eu arrumava algum tempo para poder conversar com você. Eu sei que você achou estranho porque conversar com você era tudo para mim. Ver seu rosto, saber como foi seu dia. Tudo isso me fazia esquecer do quanto eu estava doente. Meu cabelo começou a cair por conta da quimioterapia e você estava começando a desconfiar. Mas eu não queria que você soubesse. Eu não queria estragar sua vida pois eu sabia que estava tudo caminhando tão bem para você. Novos amigos, uma nova família, um novo amor. Era tudo o que eu queria. Te ver feliz. Estou escrevendo essa carta pois eu sei que meu tempo está acabando. Talvez eu viva mais um pouco mas já tenho em mente que não vai durar muito. Não sei se isso foi uma surpresa para você pois sei que é uma menina esperta e já desconfiava. Mas eu tenho outra coisa para contar. Você precisa saber por mim e não por outra pessoa. Antes de tudo, desculpa por esconder isso de você por tanto tempo. Muitas coisas aconteceram que me calaram por esse tempo todo. Eduardo não é seu pai. Antes de você nascer, conheci um rapaz no meu tempo de faculdade. Eu me apaixonei por ele. Meus pais não gostavam dele mas eu não ligava. Eu estava tão cega. Eu acabei engravidando dele. Eu tinha ficado feliz, não era muito nova. Podia ser mãe. Contei para ele e o mesmo pareceu feliz. Mas apenas pareceu. Ele sumiu quando eu estava com 3 meses de gravidez. Até hoje eu não sei onde ele está. Não sei nem se está vivo. Eu o procurei por muito tempo. Mas como qualquer ser humano, me cansei. Tentei pensar em algumas soluções mas não achava nada. Eu estava em pedaços, tive até pensamentos suicidas. Então eu conheci Eduardo. Aquele que se tornou meu melhor amigo. Mais do que isso. Ele sabia da minha gravidez e mesmo assim não me julgou. Acho que você já sabe o final dessa história. Você nasceu. Eu vi a felicidade ali em meus braços quando a enfermeira te entregou para mim. Lembro do sorriso que Eduardo abriu quando te viu. Você era a coisa mais linda que já tínhamos visto em todas as nossas vidas. Um pequeno raio de luz. Você iluminou nossas vidas. Eu e Eduardo nos casamos, construímos nossa casa e cuidamos de você com todo o amor e carinho que tínhamos. Ele estava disposto a te criar como se você fosse a verdadeira filha dele. E você é. Os anos foram se passando e tiveram muitos desentendimentos entre eu e seu pai. Nem tudo era um mar de rosas. Então chegou aquele dia. O dia que você ainda guarda em suas lembranças. Nós havíamos brigado. Brigado feio. Como nunca antes. Eu não sei bem dizer o que aconteceu entre nós. Eu realmente o amava. Mas isso não foi o suficiente. Ele decidiu ir embora e eu lamento muito por isso ter te afetado por muito tempo. Mas eu lhe digo uma coisa. Ele te ama. Como nunca ninguém te amou. Ele quis te criar mesmo sabendo que não era filha dele. Eu via nos olhos dele o quanto ele te amava. Ele só não sabia que seria tão difícil. E mesmo depois de 10 anos, ele te ama. Então, como um único e último pedido, não se separe dele. Ele pode ter mil defeitos, mas é aquele que sempre vai estar ao seu lado e que vai te apoiar em meu lugar. Ele pode não ser seu pai de sangue mas é aquele que teve caráter o suficiente para dizer que é seu pai. Eu sinto muito por tudo isso estar desmoronando em sua cabeça agora. Não sei se depois de ler tudo isso você ainda vai ter a mesma visão sobre mim. Pais também mentem para o bem dos filhos. Bom, pelo menos é isso em que eu acredito. Eu espero que algum dia você possa acreditar nisso também. Que possa entender tudo que venho fazendo desde seu nascimento.

Enfim, estou aqui para me despedir de você. Espero que tenha em mente tudo o que passamos juntas, tudo o que suportamos e passamos por cima, todas a nossas lembranças. Até as ruins, porque elas também são importantes. Despedidas tem sempre esse ar de tristeza, não é? Queria poder transformar isso em algo não tão ruim, mas simplesmente não posso. A palavra morte já vem carregada de tristeza, é a natureza das coisas. Um dia, a maioria de nós irá se separar. Vamos sentir saudades de tudo. Das conversas, dos sonhos, dos risos, entre outros. Você só não pode afundar nessa saudade. Prometa para mim que não vai. Você tem uma vida pela frente. Eu creio, do fundo do meu coração, que você vai conseguir alcançar todos os seus objetivos. E eu, lá do céu, vou estar muito orgulhosa por você. Mais do que eu já sou. Sei o quanto é difícil passar por tudo isso que está acontecendo. Mas eu sei que você vai conseguir e passar por cima disso também. Você é uma menina forte. Você é a minha menina. Diante de tudo, peço desculpas por tudo que escondi de você. Você não merece nem metade do que aconteceu. Busque sua felicidade. Mesmo que seja em coisas menos importantes. Busque-a e você a encontrará. Deus está com você. Mais uma vez, não seja levada pela tristeza. É uma perda de tempo, acredite. Nunca deixe de demostrar o quanto ama alguma pessoa. Amanhã já pode ser tarde. Mesmo você já sabendo disso, eu não canso de dizer. Eu te amo. Mais do que tudo. Mais do que minha própria vida.

E não se esqueça. Eu vou estar sempre com você.

Com amor, sua mãe.

Meu mundo ficou turvo, ligeiramente desalinhado e errado. Aperto a carta com meus dedos, vendo-o como eles estavam brancos. Meu corpo estava completamente parado, meus olhos fixos no papel enquanto algumas lágrimas se formavam. Meu coração dizia que aquilo não passava de apenas uma brincadeira, mas minha mente confirmava que aquilo era mesmo real. Quando tomo consciência da situação, caio de joelhos no chão. A carta escorrega por minhas mãos e deixo-a cair no chão. Finalmente uma lágrima cai, e assim sucessivamente. Minha mãe havia falecido. Era muito difícil de acreditar. Meu olhar se encontra fixo em algo e as lágrimas caem sem aviso. Meu pai se aproxima com lágrimas nos olhos e me abraça. Eu não retribuo. Apenas continuo parada, deixando as lágrimas caírem rapidamente. Eu não conseguia acreditar. Era algo impossível de se imaginar.

_ Não... não... - sussurro. Eu não queria acreditar nisso, eu não podia. - É mentira, não é? Me diz que é. - balbucio algumas palavras. Meu pai se afasta e nega com a cabeça.

_ Gostaria que fosse. - ele diz. Nego com a cabeça sentindo como minhas lágrimas eram quentes. Eu podia sentir cada parte de meu corpo desmoronar junto a mim. Estava caindo a ficha de que minha mãe, neste exato momento, estaria sendo preparada para seu enterro.

_ Como? - digo e soco o peito de meu pai. - Como você pôde esconder isso de mim? - digo distribuindo vários socos em seu peito. O mesmo não se importava. - Como? - continuo, perdendo minhas forças e voltando a chorar. Ele segura minhas mãos, acabando com meus atos. Eu não queria estar ali. Eu não queria estar chorando pela morte de minha mãe. Eu queria estar lá. Com ela. Pelo menos em seu último momento. Mas não. Estou do outro lado do mundo. Sinto minha respiração começar a arfar. Mas não ligo. Isso era uma de minhas menores preocupações. Lembro das palavras de minha mãe. Realmente era sua letra. - Eu não consigo acreditar. - digo com a visão totalmente embaçada por conta das lágrimas. Eu estava uma completa derrotada. Mas isso é como eu sou. Não sou forte como todos pensam. Puxo o ar com força já que ele se fazia ausente, mas não adianta muito. Puxo o ar com força mais uma vez mas sinto que não estava me ajudando em nada. Meu pai me segura antes que eu caia no chão.

_ É uma crise de asma, peguem a bombinha dela! - meu pai grita desesperado. Vejo pelo canto do olho que Yang Mi subia às escadas com pressa. Sun Hee ia atrás. Jimin se joga em meu lado e vejo o desespero em seu olhar. Ele não sabia o que fazer. Assim como eu. Aperto meu colar com as mãos. A única lembrança que ela deixara para mim. Meu pai pedia com palavras fortes que eu continuasse puxando o ar com força. "Inspira e expira" era tudo o que eu conseguia ouvir. Mas como qualquer ser humano, me cansei. Assim como na carta de minha mãe.

Eu apenas me cansei.

...

Eu disse para preparem os lencinhos :)

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