Capítulo três

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A semana passa rápido e a minha ansiedade pela chegada da Carla só aumenta. Já não tenho unhas para roer, trabalhei exaustivamente todos os dias até quase desmaiar e quando chegava a hora de dormir o sono simplesmente não vinha. Relaxa é só a Carla. Ela é minha melhor amiga e nós sempre nos demos bem, só estou com medo de morar com outra pessoa. Eu não sou a pessoa mais organizada do mundo e tenho que confessar que as vezes eu deixo muita coisa para resolver em cima da hora. Olho no relógio pela milionésima vez – sete e oito da noite – e a hora simplesmente não passa. Levanto os dedos das mãos e estão vermelhos protestando. Tenho que parar com isso. Desde que ofereci minha casa para Carla nos falamos pelos menos três vezes por dia. Em que bairro você mora? É perto de onde? O que eu tenho que levar? É fácil chegar aí? Cada pergunta dela me deixava ainda mais nervoso. Como eu não pensei em nada assim antes de vir? A verdade é que a minha decisão de vir para o Rio foi tão rápida que eu nem tive tempo de pensar em nada dessas coisas, mas entendo que a Carla queira saber de tudo nos mínimos detalhes.

Me levanto do sofá e começo a andar de um lado para o outro. Cheguei cedo em casa hoje – depois de passar a semana toda trabalhando até tarde para me adiantar – tomei um banho, coloquei uma bermuda xadrez e uma regata branca e me sentei para ficar esperando. Olho no celular novamente para conferir nossa última conversa:

"Já estou a caminho. O trânsito está meio ruim, devo chegar umas sete e meia. Já está em casa?" – Recebida às 18:55

"Estou chegando neste momento. Vou tomar um banho e ficar te esperando. Me avisa quando chegar para eu descer." – Enviada às 18:55

"Tudo bem. Eu aviso. Beijo." – Recebida às 18:55

"P.S.: P.O.zinho ;*" – Recebida às 18:56

Sorrio com sua provocação e fico um pouco mais tranquilo. É só a Carla. O problema é que desde que nos conhecemos nunca ficamos tanto tempo sem nos falarmos pessoalmente e tenho o receio de parecer um desconhecido para ela. Acho que ela percebeu isso. Sorrio relendo a sua tentativa de descontração P.S.: P.O.zinho. Olho no relógio novamente – sete e doze. Decido que vou descer e esperar ela lá na portaria do prédio. Calço meu chinelo branco, saio e tranco a porta. Olho de relance para o elevador à direita, em dúvida. Já parei com isso. Aperto o botão do elevador e espero, tentando manter a mente limpa, batendo o pé direito no chão e olhando para os dedos das mãos. O elevador chega e eu entro. Nove andares até o térreo... Droga!

Hummm... então a sua amiga Carla está vindo.

– Sim senhor. – Começou a consulta inevitável com minha consciência em forma de psicólogo.

– Vai ser interessante você morar com uma pessoa que sabe das suas últimas aventuras.

– Ela não sabe.

– O que significou ela chamar o Henri aquele dia no aeroporto então?

Droga, precisava falar dele?

Normal, ele era meu parceiro de treino. – Dou de ombros e tento parecer normal para minha própria consciência

– Sr. Pedro, o senhor sabe que não pode me esconder nada. Ela sabe!

– Não, não sabe. E outra, acabou meu tempo. Até a próxima.

A porta do elevador se abre e saio de uma só vez, não dando tempo para outras perguntas do Dr. Pedro – que aliás, já está me dando nos nervos.

O saguão do meu prédio é um lugar tranquilo, apesar de muito abafado, sinto mal pelo porteiro que só tem direito a um pequeno ventilador soprando ar quente no seu rosto o dia todo. Aceno para ele que me cumprimenta com um breve abaixar de cabeça e me sento em uma poltrona de couro perto de um canteiro de plantas iluminado com uma fraca luz verde. Sinto uma falta repentina do Sr. Dimas, o porteiro do meu antigo prédio, apesar de sempre passar por ele de forma rápida, ele me passava um senso de informalidade e família – era bem parecido com o meu falecido avô. Suspiro. Sinto falta da vida na minha antiga cidade, da minha casa e dos meus amigos. A verdade é que no fundo eu espero que a Carla traga com ela toda aquela familiaridade em que estava acostumado. Sinto falta das suas brincadeiras, repreensões, indignação, sarcasmo e sua preocupação também. Ela praticamente era a minha única família naquela cidade, já que minha família de sangue está há centenas de quilômetros de distância. Eu admiro muito a sua facilidade de se conectar com as pessoas, coisa que eu nunca consegui fazer naturalmente apesar de tentar aprender lendo vários livros sobre o assunto. E mesmo assim você nunca contou para ela. Dou um suspiro fundo. Como contar alguma coisa tão complicada e ao mesmo tempo tão perturbadora sobre você? E principalmente, como contar esse tipo de coisa para alguém quando tem uma outra certa pessoa envolvida? Ela sabe. Será que sabe? Meu celular toca.

– Cheguei P.O.zinho. Cadê você? – Ela diz toda empolgada quando atendo.

Me levanto com um pulo.

– Estou na portaria te esperando. Bloco C. Onde exatamente você está?

– Na entrada do Bloco C. – Me encaminho para a saída do prédio e vou em sua direção.

– Estou indo te encontrar, me espere aí.

– Tudo bem. Beijo. – Ela desliga.

Saio para a entrada do bloco, a noite está clara com um céu azul escuro e uma lua cheia iluminando tudo. O clima aqui fora é quente, mas suportável e o cheiro é de maresia. Ando a passos largos pelos corredores, passo por alguns carros estacionados e em menos de um minuto já estou na entrada do Bloco C. Quando me vê ela larga sua bolsa no chão e vem correndo me encontrar.

– P.O.zinho, que saudade! – Ela me abraça com força.

– Até que enfim você chegou. – Abraço de volta, sentindo seu cheiro doce. – Estava morrendo de ansiedade já.

– Eu arraso né? – Ela diz no meu ouvido, sorrindo.

– Talvez. O que é isso de arrasar? Nova mania?

– Vocabulário novo. Agora sou carioca da gema.

Caímos na gargalhada – eu a solto e dou um passo para trás para dar uma boa olhada. Fico impressionado com sua mudança radical. Ela está com o cabelo de um loiro escuro, todo liso, grande e com as pontas ligeiramente encaracoladas. Uma camiseta azul superdecotada e calça jeans.

– Nossa! Quem é você? Está diferente. – Levanto uma sobrancelha.

– Eu disse que arraso! – Ela dá uma volta – Afinal de contas estou no Rio de Janeiro né?

Continuo olhando para ela admirado. Como pode alguém ter mudando sua aparência tão drasticamente em apenas algumas semanas?

– Agora para de me secar e me ajuda a carregar as coisas. – Ela me interrompe, se vira e vai em direção ao que parece ser a carga de meio caminhão de mudança.

– Isso porque eu falei que não precisava trazer nada, hein? – Brinco.

Ela olha para trás.

– Tá brincando?! – Ela faz cara de indignada – Isso é o mínimo do mínimo que eu preciso para sobrevier. – E pisca para mim.

E nesse momento a felicidade toma conta do meuser. Toda a familiaridade que eu desejei desde que vim para cá acabou dechegar. E pelo visto trouxe todo o resto com ela. Sorrio com opensamento.    

Copiloto (Amor sem limites #2)Onde histórias criam vida. Descubra agora