Capítulo 34

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Ele lutou a noite inteira, debatendo-se para escapar dos homens, despertando em pânico,
tornando a dormir, acordando outra vez. Reconstituía a cena de maneira interminável: os
passos súbitos avançando depressa em sua direção, o carro parando, o homem tentando forçá-lo a embarcar. Sabiam quem ele era? Ou apenas tentavam roubar um turista que vestia roupas americanas?

John Slade estava à sua espera quando David chegou à embaixada. Entrou em sua sala com
duas xícaras de café e sentou na frente da mesa, indagando:

- Como foi o teatro?

- Muito bom.

O que acontecera depois não era da conta de John Slade.

- Ficou machucado?

Ele fitou-o, surpreso.

- Como?

- Quando tentaram seqüestrá-lo - disse John, paciente. - Eles o machucaram?

- Eu... como soube?

A voz de John estava repleta de ironia:

- A Romênia, senhor embaixador, é um segredo enorme e aberto. Não se pode tomar
um banho sem que todos saibam. Não foi muito inteligente de sua parte sair para dar um
passeio sozinho.

- Sei disso agora - respondeu David friamente. - Não acontecerá de novo.

- Ótimo. O homem levou alguma coisa?

- Não.

John franziu o rosto.

- Não faz sentido. Se quisessem o casaco, poderiam arrancar na rua. Tentar forçá-lo a entrar num carro significa que era um seqüestro.

- Quem poderia querer me seqüestrar?

- Não seriam os homens de Ionescu. Ele está tentando manter nossas relações em bom
nível. Teria de ser algum grupo dissidente.

- Ou bandidos que queriam me manter por um resgate.

- Não há seqüestro por resgate neste país. Se pegassem alguém fazendo isso, não haveria
nem julgamento... seria logo um pelotão de fuzilamento. - Ele tomou um gole do café. -
Posso lhe dar um conselho?

- Estou escutando.

- Volte para casa.

- Como?

John Slade largou a xícara na mesa.

- Tudo o que precisa fazer é despachar uma carta de renúncia, pegar as crianças e voltar
para o Kansas, onde estará seguro.

David pôde sentir que seu rosto ficava vermelho.

- Cometi um erro, senhor Slade. Não foi o primeiro e provavelmente não será o último.Mas fui designado para este posto pelo presidente dos Estados Unidos, e até que ele me dispense não quero que você nem qualquer outra pessoa me diga para voltar para casa. - Fez um esforço para manter a voz sob controle. - Espero que as pessoas nesta embaixada trabalhem comigo, e não contra mim. Se acha que é pedir demais, por que você não volta para casa?

David estava agora tremendo de raiva. John Slade levantou-se.

- Providenciarei para que os relatórios da manhã lhe sejam encaminhados, senhor
embaixador.

A tentativa de seqüestro foi o único tema das conversas na embaixada naquela manhã.
Como todos descobriram?, pensou David. E como John Slade descobriu? Ele gostaria de
saber quem fora seu salvador, a fim de poder agradecer. No rápido vislumbre que tivera dele,
ficara com a impressão de um homem atraente, talvez com quarenta e poucos anos, cabelos
prematuramente grisalhos. Tinha um sotaque estrangeiro - talvez francês. Se fosse um turista,
era possível que àquela altura já tivesse deixado a Romênia.
Uma idéia assediava David e era difícil descartá-la. Só conhecia uma pessoa que queria se
livrar dela: John Slade. E se ele tivesse tramado o ataque, a fim de assustá-lo e forçá-lo a ir
embora? Afinal, John lhe dera os ingressos para o teatro. Sabia onde ele estaria. Era uma
possibilidade que se recusava a sair de seus pensamentos. David debatera consigo mesma se deveria falar às crianças sobre a tentativa de seqüestro,
e acabou decidindo que era melhor não contar nada. Não queria assustá-las. Mas daria um
jeito para que nunca ficassem sozinhas.

Além Do Teu Olhar (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora