t h r e e | electricity

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Acordar é a parte mais difícil do meu dia.

Sentir os músculos despertando, me dá uma sensação de ardência. A luz agride meus olhos. Puxo o cobertor e cubro minha cabeça. A escuridão é minha amiga. Estico a mão e pego meu celular, que está ao lado do meu travesseiro. Desbloqueio ele, e vejo as horas. Dez e doze da manhã, é sábado. Tudo o que quero é ficar na cama até o mundo acabar.

Fico durante vinte minutos tentando cochilar novamente, mas não consigo. Estou completamente desperta. Tiro o cobertor de cima de mim. Estico os braços para cima, espreguiçando-me. Não me agrada o gosto matutino da minha boca. Minha língua passeia por meus dentes e a parte interna da bochecha. Fico na beirada cama, sentindo o chão frio de madeira debaixo dos meus pés. Puxo mais uma vez o celular. Busco o bloco de notas e vejo o que tenho para o dia de hoje. Em letras garrafais está escrito "ENCONTRO COM JAIME ÀS 19:00".

Eu havia me esquecido completamente disso. Jaime era um cara legal. Colega de trabalho que conseguiu o feito de chamar eu, Astrid Sykes, para um encontro, sem levar um fora espetacular. Eu não gostava de encontros, mas eu também não odiava. Geralmente, eu acabava com qualquer esperança de alguém querer ter algo comigo. Minha vida já era complicada o suficiente sem um namorado. Mas as coisas estavam se acertando, e Jaime parecia um bom partido. No segundo encontro, havíamos nós beijado. Ele sabia como utilizar as palavras com as pessoas. Uma semana atrás ele me pediu em namoro, e eu acabei aceitando. As coisas estavam se acertando!

Mas agora eu estava com a cabeça cheia, e minha vida se despedaçando de pouco a pouco.

Cogitei mandar uma mensagem, dizendo que não poderia ir, que estava me sentindo mal. Mas ele possivelmente iria querer vir aqui em casa, ficar e cuidar de mim. Jaime é um cara legal. Eu realmente não quero que ele veja como a minha vida está bagunçada.

Então decido mandar uma mensagem perguntando se o encontro ainda está de pé. Jaime não demora muito, e confirma que ainda quer ter o encontro.

Pelo menos Jaime não é outra complicação.

Jogo o celular num canto, e suspiro, pondo meu rosto entre minhas mãos.

O que vou fazer até as sete da noite?

Penso em ir até a pista de skate, já puxando na memória a quantia de dinheiro que tenho, para pagar a passagem de trem.

Trem.

Essa palavra me lembra dele. De Sam.

Olho minhas mãos, lembrando do toque de sua pele contra a minha. Fazia minha pele formigar, se arrepiar, como se eletricidade passasse de Sam para mim.

Aqueles olhos cinzas, tão intensos.

Na primeira vez em que nos vimos, eu apenas olhei para ele, porque o achei bonitinho. Cabelos pretos bagunçados, os olhos cinzas, sua marca registrada. Ele vestia uma camiseta azul escura simples, junto com uma calça jeans preta. Sam não era um galã de cinema, mas tinha seu charme. Ele quase estava dormindo de pé, Sam parecia tão inocente. Tinha o olhar enevoado, focado em seus próprios pensamentos. Ele destoava completamente de todos os passageiros daquele vagão. Mas ninguém parecia percebê-lo. Seus movimentos eram amplos, chamavam a atenção. Mas ninguém sequer pareceu querer olhar. Sam parecia não existir para os outros. Mas ele existia para mim.

Então Sam me flagrou olhando para ele. Seu olhar mudou, ele estava fascinado e assustado. Parecia pensar que eu fosse algo mítico, e ele fosse o único que conseguisse ver.

Quando ele se aproximou de mim, e conseguiu manter o contato visual, senti o mundo silenciar a nosso volta. Tentei escavar verdades dentro daqueles olhos cinza, e era como encarar a totalidade de Sam. Algo tão complexo num corpo de um garoto.

Estou aquiOnde histórias criam vida. Descubra agora