– Temos que contar para Cassie – eu digo para Sam, que parece estar um pouco distraído.
Levando a caneca de café aos lábios, ele parecer ruminar essa idéia. A luz do pôr do sol ilumina parcialmente a sala de estar da casa de Sam. Deitados no sofá, encolho-me, me aconchegando mais um pouco no contorno do corpo de Sam. Meus dedos dão micros puxões no suéter dele, como se tocassem uma guitarra. Dentro das meias de lã, meus pés deslizam sobre os de Sam. Durante quase três semanas, permanecemos separados. A cada dia, cicatrizes iam se multiplicando no meu coração. Quero aproveitar cada segundo que passo com ele, e sentir essas cicatrizes desaparecendo.
– Contar o que exatamente? – ele pergunta depois de um tempo.
– Sobre você. Bom, sobre... você sabe. A invisibilidade e essas coisas – respondo, enterrando meu rosto na roupa de Sam. Contra o calor do corpo dele, eu bocejo.
Sam se estica, colocando a caneca de café sobre a mesinha na frente do sofá. Seu corpo escorrega para baixo. Ele comprime-se no espaço que o sofá proporciona, e seu rosto fica frente ao meu. Nesses olhos cinza, eu vejo preocupação e confusão. Seus lábios se apertam, e ele libera o ar de seus pulmões. Meu olhar se fixa no dele, e sinto vontade colar meu corpo ao de Sam, sentir os batimentos de seu coração. Sentir o que mantém ele vivo.
– Eu não sei, Astrid – os olhos dele vão de um canto ao outro, inquietos. – Nunca contei quem eu sou para outra pessoa. Só pra você.
Vejo que ele contém um pequeno sorriso, a cor escarlate subindo seu rosto.
– Por que contar para ela? – Sam pergunta.
– Um dia, Cassie vai perceber que você é diferente. Ela vai fazer perguntas, e não você não pode manter esse segredo dela por muito tempo.
– Ainda não entendi seu ponto.
Eu suspiro, perdendo um pouco de paciência. Não gosto de ter que explicar duas vezes a mesma coisa. Imaginação é de graça e não dói ter. Encaro o suéter preto de Sam, cutucando meu dedo em seu peito.
– Cassie vai descobrir de uma maneira ou outra, que as outras pessoas não podem te ver ou ouvir. Eu simplesmente proponho que você explique para ela quem você é, sem ter que se preocupar com futuros desastres.
– Desastres? – ele diz levantando uma sobrancelha.
– Minha amiga não é do tipo discreta, Sam. Se ela bota uma coisa na cabeça, não existe pudor que a faça parar. E eu quero prevenir que ela faça algo estúpido, e vocês dois passem vergonha! – digo bufando. Sinto o sangue subir ao meu rosto e me viro, ficando de costas para Sam.
Debaixo de mim, sinto o estofado do sofá se remexer. A respiração de Sam bate contra meu pescoço, e seus braços me envolvem. As mãos dele tremem um pouco, e escuto ele engolir secamente. Mordo o interior da minha boca, impedindo-me de sorrir. Eu me esqueço que Sam nunca namorou. Eu fui provavelmente seu primeiro beijo. Não posso dizer se foi bom ou ruim. Apenas aproveitei cada milésimo de segundo do nosso contato.
– Você esqueceu o detalhe que ninguém pode me ver. Apenas vocês duas, seja lá qual for a razão. Acho que uma vantagem de ninguém poder me ver, se isso pode ser chamado de vantagem, é que não posso passar vergonha em público. Então, estou a salvo dessa possibilidade. – Sam diz perto do meu ouvido. A respiração dele está descompassada, errática.
Ele estala a língua nervosamente, e enterra o rosto entre meu ombro e o pescoço. Suas mãos não param de tremer.
Ainda dentro de seu abraço, giro meu corpo. Volto a encarar aqueles olhos cinza, reprimindo um sorriso. Seu olhar desvia para outro canto, encabulado. Faço meus dedos patinarem em seu rosto, trazendo sua atenção de volta a mim.
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Estou aqui
General FictionTodos esperam ser notados em algum momento. Sam esperava que alguém o notasse. Mas essa tarefa parece impossível, por um único motivo: ele é invisível. Incapaz de se relacionar e conectar a uma pessoa, ele passa seus dias viajando de trem, sem um de...