Eu deveria ter queimado essa escola quando tive a chance.
A aula de história se arrasta, como se estivesse presa a correntes pesadas. Eu e a minha turma estamos carregando essas correntes também. Esse é o nosso filme de terror diário, queria que pelo menos nos dessem pipoca. Mas não temos luxos. Canetas riscam cadernos, alunos bocejam. Típica sexta-feira.
Olhos vigiam o relógio, aflitos e ansiosos. Estamos na terceira aula do dia. Tudo o que queremos ouvir é o doce som estridente do sinal. Eu mais do que todos. Quero que esse dia passe correndo por mim. Não vou dar falta dele. Hoje estou no piloto automático, dando respostas automáticas para todos. Não me importo se parecer grossa. Quero apenas que o dia de hoje passe logo.
O amanhã importa. As células do meu corpo gritam e esperneiam, esperando o amanhã. Hoje sou um fantasma, amanhã estarei viva.
Olho para o céu, que está um pouco nublado. Mordo o interior da bochecha, preocupada. Torço para o sol sair amanhã. Sentir o calor contra a minha pele, ver tonalidades vibrantes. Cabelos bagunçados, deixando de ser pretos para se tornarem raios de um sol poente. Um toque quente, eletricidade fluindo.
"Sempre".
Ergo meus olhos para a porta da sala, sem pressa. Algo se remexe em meu peito. Quero sair, procurá-lo. Poderia perguntar aonde está. Apenas alguns cliques de distância, poderia ter seu paradeiro. Eu não me importaria de matar aula, inventaria alguma desculpa para Martha. Não quero estar em lugar nenhum. Jaime poderia ficar preocupado. Verdade, tem Jaime. Eu deveria contar para ele o que está acontecendo. Jaime poderia entender. Jaime é um cara legal. Meus olhos não param num lugar fixo, minha cabeça está fora de controle.
Vejo a porta novamente. Não posso sair daqui.
Espero que ele entre. Me surpreenda, assim como todos na sala. Espero que ele ponha aquela porta abaixo, e me tire daqui. Minha caneta escreve desesperadamente no caderno. Amanhã. Temos o amanhã. Olhos cinza, cabelos bagunçados. Um pouco de insegurança. É fofo. Chuva, ele cheira como a chuva. Um sorriso que chama o meu. É automático, não posso controlar.
Seus lábios, meus lábios.
Apocalipse.
Eu paro. O que estou pensando? Sam é meu amigo. Nada mais. Jaime é meu namorado, ninguém mais. Estou um caos. Quero sair daqui. Não posso divagar de novo. Vou pensar nele novamente. Jogo o capuz da blusa sobre a cabeça, discretamente pondo meus fones de ouvido. Música vai me acalmar. Excluo da minha busca tudo o que seja romântico ou soe assim. Não posso pensar em Sam, nem mesmo em Jaime.
Percebo que não conheço o gosto musical do meu namorado. Nem mesmo sei quando ele faz aniversário. Isso é vergonhoso. Tenho que perguntar isso para ele, mais tarde. Do que Jaime gosta? Futebol, baseball? Ele tem bom gosto para roupas. Ele não é o senhor perfeição, mas também não faz o tipo largado. Temos que discutir os filmes que ambos podemos assistir juntos. Tem que haver algo em comum no que assistimos.
Há tanto que não sei sobre Jaime.
Será que ele gosta de ir a praia? Poderíamos ir algum dia. O que ele gosta de comer? Acho que lasanha é seu favorito. Não sei. Não sei de nada.
Conheço seu toque. Seu cheiro. As sensações que sinto quando estou com ele. O pressionar dos lábios de Jaime contra os meus. Macios, serenos. Jaime é calma, paciência.
Seus lábios, meus lábios.
Estou desbravando essa descoberta.
(...)
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Estou aqui
General FictionTodos esperam ser notados em algum momento. Sam esperava que alguém o notasse. Mas essa tarefa parece impossível, por um único motivo: ele é invisível. Incapaz de se relacionar e conectar a uma pessoa, ele passa seus dias viajando de trem, sem um de...