Não passaríamos nem mais um minuto naquela casa.
Era a única coisa que eu conseguia pensar, depois que tirei Astrid da água. A sensação de culpa se infiltra cada vez mais em mim ao pensar no que aconteceu. Enquanto estamos no trem, indo em direção a minha casa, não consigo olhar em seus olhos. Não há nada em mim. Não há raiva, tristeza, desespero. Apenas culpa. Não consigo deixar de imaginar como seria, se eu não existisse na vida dela.
Ela passaria mais tempo na casa dos pais. Eles poderiam se acertar uns com os outros. Ela ficaria bem.
Mas eu me intrometi. Eu roubei a chance dela restaurar sua vida.
A idéia de que eu lhe roubei tudo que lhe era mais importante martela minha mente. Isso me atormenta.
A sensação de que Astrid está olhando para mim faz minha pele se arrepiar. Pare de olhar para mim, por favor. Pare de olhar para mim, você está assim por minha causa. Pare de olhar para mim, eu preciso de você, Astrid.
Sou egoísta. E em meu egoísmo, eu nos ceguei para não podermos olhar para o mundo real. Quis esconde-la de tudo que a machucava. Quis mantê-la sempre sorrindo. Mas o mundo real nos acertou com tudo que tinha.
Saímos do trem com um salto, e nos encaminhamos para a saída da estação. Não consigo olhá-la nos olhos, mas uma parte de mim é teimosa. Desloco-me, colando meu ombro ao dela. Sou errado para ela, mas não quero deixá-la sozinha. Não agora. Nem nunca. Sinto seu braço se enroscando no meu, seus dedos entrelaçando-me aos meus. Respiro fundo, e mordo o lábio inferior com força.
– Me desculpe – Astrid sussurra em meu ouvido.
Seus dedos me apertam mais. Fecho meus olhos, suspirando. A sensação da mão de Astrid segurando a minha é estranha. Sinto-me forte, mas também me sinto fraco. Senti-la aqui ao meu lado é tudo o que mais quero. Levanto meus olhos para o céu vítreo. Tudo é tão maior que eu. Tudo é tão fora do controle. A vontade de escapar desliza por cada fibra do meu ser. Escapar para coisas mais simples. Sentimentos mais simples. Olhares mais simples.
– Tudo é complicado, não é? – digo, olhando para frente.
Astrid pigarreia, balançando a cabeças para os lados.
– Só é complicado porque tornamos as coisas complicadas – ela responde.
– É, talvez.
– Sam, eu realmente, verdadeiramente, quero me desculpar. O que eu fiz...
– Eu sei. Tudo é apenas demais. Complicado demais. Insuportável demais – não há ironia em minha voz. Apenas sinceridade. Eu apenas sei sobre essas coisas.
Ser sincero faz meu interior se contorcer. Porque trás algo que quis manter enterrado dentro da minha alma. Tentei barrar toda tentativa deste sentimento escapar de mim. Disfarcei o que sentia com coisas amenas, inofensivas. Neguei sua verdadeira natureza, para que não pudesse mostrar suas verdadeiras armas. Por um pano em cima duma arma não a faz ser menos mortal.
Não quero trazer isso à tona novamente. Quero me livrar desse sentimento. Ele me esmaga, tira-me tudo. Faz o futuro se tornar um borrão, até me convencer de que ele não existe mais.
– Para o Sol, ele próprio não é complicado. Ele é apenas ele, fazendo o que aprendeu a fazer desde seu nascimento. – Astrid diz, com a voz distante. – Nós o tornamos complicados ao tentar entender o que ele faz, Sam.
– Você quer dizer que não somos diferentes, Astrid? Que somos iguais as estrelas?
– Quero dizer que, não importa o quanto tentarmos entender o que se passa em nossas vidas, com os nossos sentimentos, nunca vamos chegar a uma conclusão. Não vamos achar soluções, apenas teorias que nos satisfaça para que continuemos a existir. Nós somos apenas nós.
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Estou aqui
Ficção GeralTodos esperam ser notados em algum momento. Sam esperava que alguém o notasse. Mas essa tarefa parece impossível, por um único motivo: ele é invisível. Incapaz de se relacionar e conectar a uma pessoa, ele passa seus dias viajando de trem, sem um de...