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Odeio ser um mentiroso.

Mesmo que seja uma pequena mentira, odeio que eu me sinta preso a essa mentira. Meus olhos alternam entre a tela do celular e o mapa da linha de trens. O dia de hoje tem que ser perfeito. Vesti minhas melhores roupas, calcei meus melhores tênis. Até mesmo arrisquei pentear o cabelo. A sola do meu tênis ecoa pelas paredes de mármore e aço ao meu redor, com suas batidas incessantes. Estou nervoso. Vejo o horário na tela do meu celular. Ela está três minutos atrasada. Estou beirando a histeria.

Odeio ser tão dramático.

Tenho que contar para Astrid. Contar o que eu sou, quem eu sou. Não quero mentir para ela. Quero ver o sorriso dela, sem nada pesando em meu peito. Mas tenho medo. Medo de ela não compreender. Medo dela se afastar. Meus olhos viajam de um lado para o outro, deixando de lado minhas preocupações. Tantas pessoas andam ao meu redor. Apressadas, outras descontraídas. Todas essas pessoas em busca de um trem. Mas eu não as vejo. São apenas aparições que me rodeiam, como estrelas no céu. Olhamos para elas, mas não sabemos seus nomes, suas histórias. Vemos aquelas que procuramos. Sabemos onde procurar essas estrelas, conhecemos seus nomes e suas histórias. Nessa estação, faço parte de uma constelação de estrelas com nomes e histórias. Exceto por mim. As estrelas ao meu redor não sabem que estou aqui. Sou a estrela cujo o brilho é tão fraco, que ninguém pode me ver.

Meus olhos procuram outra estrela, uma estrela que não me canso de olhar.

O celular vibra na minha mão, me assustando. Olho para a tela, que contém uma mensagem. Uma mensagem que eu estava esperando:

"Olhe para trás"

Perco o controle do meu corpo. Giro rapidamente, afobado. Meus olhos não tem que procurar muito, e algo dá a partida no meu coração. Perco o fôlego por um longo instante, e meu corpo fica tenso.

Astrid me deixa louco.

Não consigo baixar meu olhar, não quero. Vejo apenas o rosto dela, desenhando um sorriso em seus lábios. Minhas pernas criam vontade própria, e começam a caminhar. Cada passo, a minha velocidade aumenta. Astrid também caminha em minha direção. Duas estrelas colidem, é um evento divino de se sentir. O corpo dela colado no meu, seu rosto no meu ombro. Esqueço do mundo. Tenho Astrid em meus braços. É como segurar o sol contra meu peito. Ela aperta seus braços em volta de mim, e sei que há algo ali.

Algo triste, desesperado.

Não digo nada. Aperto meus braços em volta de Astrid, e ela retribui. Estou aqui.

Estou aqui para ela.

(...)

No lado de fora do trem, além da janela, há um mundo.

Pessoas vivem diariamente neste mundo, e em seus corações, outros mundos habitam. Seus sonhos, seus amores. Tristezas, decepções. Querem ver de tudo, mas não vem nada. Pessoas vivem em seus universos particulares, e outras entram nesses universos. Esse é seu dia após dia. Viver em seu mundo, invadir o de outros. Eu poderia sentir inveja deles. Todos os dias, seus mundos se enchem de coisas novas. Coisas exuberantes, assim como coisas horripilantes. Eu poderia sentir inveja dessa aleatoriedade em suas vidas.

Mas hoje eu não sinto isso.

Não olho para além da janela, querendo ser parte do coletivo. Não me interesso nos mundos de outras pessoas, nem mesmo quero invadi-los. Meu olhar é metal, e ela um imã.

Tento disfarçar, para que Astrid não perceba que olho para ela. Sou desajeitado. Meus olhos correm pelo vagão, desinteressados. Vejo o que há aqui dentro quase todos os dias. As pessoas mudam, o vagão não. Há um espaço entre nós. Quero vencer este espaço, abraçá-la novamente. Meus olhos voltam a fitá-la. Nossos olhares se esbarram, sinto meu rosto esquentar. Fui pego. Mas não preciso desviar meu olhar mais. O sol ilumina sua pele, faz seus olhos azuis glaciais brilharem. Encosto meu ombro na porta automática, cruzando meus braços.

Estou aquiOnde histórias criam vida. Descubra agora