Viajar de trem se tornou meu vício secreto.
Depois de três anos vindo a estação de trem e entrando num vagão, todos os detalhes e ações das minhas viagens se tornaram memória muscular. É reflexo eu entrar no vagão, mesmo eu não tendo visto o destino dele, e saber para onde ele vai.
Estar de pé, apoiado contra as portas automáticas, sempre no mesmo exato lugar?
Comecei a fazer isso depois de conhecer Astrid.
Vejo o horário. É uma hora da tarde. Ela deve estar na escola agora. Fecho os olhos, e imagino-a na sala, tendo aula de história. Vejo-a escrevendo no caderno, como penso que ela faz. Vejo-a mordendo a tampa da caneta, como penso que ela faz.
Abro os olhos e estou de volta ao mundo real.
Astrid está invadindo os meus pensamentos, invadindo cada segundo da minha vida, e roubando cada pedaço da minha atenção.
Essas coisas não fazem sentido para mim. Vi ela apenas duas vezes na minha vida.
Não sei como a mera lembrança de Astrid faz isso. Não sei por que eu deixo isso acontecer.
Uma nuvem cinzenta fica na frente do sol, escondendo a luz. O ar parece esfriar. Fungo o nariz e limpo a garganta. O clima não quer ser meu amigo. Não trouxe comigo uma blusa, nem estou usando uma meia boa.
O trem para numa estação, e olho para a porta automática a minha frente. Um sorriso se rasga em meu rosto. Não consigo evitar.
Astrid entra no vagão com um salto, sem tirar os olhos de mim. Um sorriso largo está estampado no rosto dela.
Quero abraçá-la, sentir o calor de seu corpo perto do meu. Mas eu não me mexo. Não consigo, é como se ela tivesse jogado um feitiço em mim. Agarro o corrimão de aço ao meu lado, minha pele se arrepia.
Astrid se aproxima de mim com passos tímidos, mas seu rosto não tem nada de tímido. Seus cabelos estão soltos. Tão livres, tão selvagens. Uma camisa de flanela azul cobre seu torso, um jeans preto apertado protege suas pernas.
Deus, não me afaste dela nunca mais.
Ela para vinte centímetros do meu corpo. O sorriso não abandonou seu rosto, muito menos o meu. O clima está esfriando, mas meu peito se esquenta. Torço para que ela tenha esse mesmo calor dentro dela. É um pensamento indecente para mim, mas não posso evitar de repeti-lo inúmeras vezes na minha cabeça.
Astrid fixa os olhos nos meus, e estou em chamas.
- Oi - eu digo. Queria ter algo melhor que "oi" para dizer.
- Oi - ela responde.
- Como você está? - Estou me flagelando internamente. Não tenho aptidão social nenhuma.
- Estou bem - ela diz olhando para outro lado. - Estou bem.
- Você está linda - digo um pouco sem jeito. Estou sendo sincero.
- Obrigada - Astrid enrubesce levemente. Seus olhos azuis se reconectam com os meus.
Percebo que eu estava esperando Astrid aparecer. Eu não sabia disso, mas soube assim que a vi.
Não quero bancar o chato, mas não parece que seja coincidência ela me encontrar aqui.
- Você não deveria estar na escola agora?
- E isso é da sua conta, Sam? Vou aonde quero, quando quero - ela responde levantando uma sobrancelha.
Sinto meu rosto esquentar e ficar vermelho. Estou parecendo um irmão mais velho chato. Quero enterrar minha cabeça em algum lugar. Olho para o outro canto, querendo fugir dali. Passo a mão nos cabelos, tentando disfarçar a minha vergonha.
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Estou aqui
General FictionTodos esperam ser notados em algum momento. Sam esperava que alguém o notasse. Mas essa tarefa parece impossível, por um único motivo: ele é invisível. Incapaz de se relacionar e conectar a uma pessoa, ele passa seus dias viajando de trem, sem um de...