Meus ossos estalam quando acordo.
Sinto um formigamento percorrer todo o meu corpo, meus olhos demoram para se acostumar a luz. Inspiro e dou um espirro. Parece que o meu corpo ainda funciona normalmente. Não tenho pressa para me levantar, não pretendo sair de casa hoje. Vasculho minha mente, e sei que hoje é quinta-feira.
Meus pés desenham arcos no lençol da cama, preguiçosos, mas amplos. Sinto meu coração bater, ele ainda pertence a mim. Observo o céu através da janela. Aquela tela gigante que está sob nossas cabeças, sempre onipresente, está cinza e nebulosa hoje. Está exatamente como me sinto. Confuso, ansioso.
Não quero me sentir assim. Quero o sol.
Quero aquele pôr do sol novamente. Com Astrid deitada em meu ombro, seus olhos fechados, e a luz do sol em seu rosto. Quero estar calmo, ouvir a voz dela.
Volto a sentir meu coração batendo. Ele está acelerado. Este coração ainda me pertence?
As escadas rangem quando desço por elas. São escandalosas, assim como crianças.
- Sam? Venha comer! - Ouço minha mãe chamar. Ela deve ter escutado as escadas.
Sento-me a mesa . Ainda estou sonolento. Coço meu queixo, enquanto bocejo. Minha mãe, que está diante do fogão, escuta o barulho da mesa . Lauren se vira num pulo, vasculhando a cozinha com o olhar. Ela não me encontra, estou diante dela. Mas ela continua não me enxergando. Percebo o desapontamento em seus olhos. Todos os dias ela torce, torce para que consiga ver seu filho. E todos os dias eu a desaponto.
- Tem café na mesa. As torradas vão ficar prontas num minuto - ela diz, olhando para todos os cantos da cozinha. Parece que ela espera que eu assuste-a. Pule do meu esconderijo e a surpreenda.
Bato com o punho na mesa, fazendo os itens a minha frente tremerem. Os olhos da minha mãe correm para a mesa. Ela esquadrinha o local. Ainda não vê nada.
Ela sorri. Aquele sorriso me rasga. Sempre me rasgou.
Geralmente não fico para tomar o café. Pego algo para comer, algo para tomar, e volto para o meu quarto. Não vejo necessidade de ficar ali. Mas tenho que pedir algo para meus pais hoje. Eu nunca peço nada. Esse pedido vai além das minhas necessidades. Pego o caderno e caneta de cima da banca, e começo a escrever. Nunca achei minha letra algo bonito, mas não considero uma abominação.
Termino de escrever, voltando a bater o punho na mesa. É meu único modo de chamar a atenção da minha mãe. Lauren volta a atenção para onde eu estou, e nota o caderno. Ela desliga o fogo, caminhando até a mesa. Observo o rosto da minha mãe. Gosto de seu sorriso. Ela o exibe, enquanto lê o que escrevi. Suas sobrancelhas perfeitamente desenhadas se unem, quando minha mãe termina de ler. Os olhos cinza que herdei dela estão surpresos, quando me procuram. Procuram, mas não acham. Os lábios rosa mal conseguem formar uma frase.
- Sam, o que é isso? Por que você está pedindo isso?
Pego o caderno de sua mão gentilmente. Volto a escrever, explicando meu motivo. Queria tanto falar com minha mãe. Ficaria tão feliz dela poder ouvir a minha voz, poder ver meu rosto. Quero ver um sorriso de felicidade no rosto dela. Um sorriso de orgulho.
Ponho o caderno em cima da mesa, batendo com o nó dos dedos no caderno. O som oco chama a atenção da minha mãe.
Ela lê o que escrevi. Na minha cabeça, estou esperando ela dizer um não, ficar com raiva. Esperar o pior cenário sempre foi um costume meu. Olho para minha mãe, e ela está sorrindo. Ela não acredita no que lê.
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Estou aqui
General FictionTodos esperam ser notados em algum momento. Sam esperava que alguém o notasse. Mas essa tarefa parece impossível, por um único motivo: ele é invisível. Incapaz de se relacionar e conectar a uma pessoa, ele passa seus dias viajando de trem, sem um de...