t w e n t y f o u r | see

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Meus olhos seguem trens indo e partindo das plataformas. O relógio em meu pulso causa coceira, seduzindo-me a checar o horário novamente.

Esfregando uma perna na outra, olho para os lados. A ansiedade me consome, quero que este trem chegue logo. Astrid tinha encontrado a mãe, e quis lhe dizer pessoalmente que não iria morar com ela. Astrid acha necessário olhar nos olhos da mãe, dizer que entende e perdoa ela por não ter ido ao enterro do pai. Lembrar-me disso traz memórias que não gosto. Pressiono com o polegar meu dedo indicador, e o estalo. O som seco e a ardência posterior diminuem um pouco a ansiedade, que borbulha em meu estômago.

Astrid tinha partido fazia uma semana. Ela volta hoje.

Pessoas olham em minha direção, com olhares diversos, e meu primeiro reflexo é de me lembrar que eles não me enxergam. Pisco algumas vezes, tomo um momento, e seguro uma risada. Devolvo os olhares. As pessoas tomam ciência de que sei que me olham, voltando a olhar para frente. Respiro fundo, sentindo meus lábios repuxarem num sorrisinho.

O som distante dos freios contra o aço chama a minha atenção, e sou resumido a ela. A ansiedade ameaça subir meu esôfago, meus pés não param quietos. O som da eletricidade nos cabos acima de minha cabeça preenche meus ouvidos. Eles anunciam a chegada de mais um trem. É o trem que estive esperando. Talvez eu sempre esperasse por este trem.

Os compartimentos de aço e titânio desaceleram lentamente, o som do freio é estridente. Suspiro, esperando que o mundo em que estou pare completamente. As portas se abrem a minha frente, e uma enchente de pessoas inunda a plataforma de embarque. Continuo estático em meu lugar. Ombros me empurram, vozes me dizem para sair da frente. Não me importo com elas. Meus olhos continuam sua caça incansável, e nunca irão parar. O fluxo diminui, assim como minhas esperanças. Mordo o lábio inferior, querendo gritar de frustração. Meus pés recuam alguns centímetros. A possibilidade de Astrid ter ficado com a mãe começa a me assombrar. Mas ela teria me avisado. Ela não teria me deixado na escuridão. Não teria agido como se eu... não existisse.

Um último casal pula do trem, e meu estômago afunda.

Olho para os meus pés, e sinto-me confuso. Astrid viria hoje. Foi o que ela havia me dito. Dentro do tênis, meu polegar do pé pressiona outro dedo. Eles se comprimem, e esse é o máximo de distração que consigo bolar. Volto a olhar para frente, e sinto minha pele arrepiar.

A garota a minha frente não olha para o ambiente a sua volta, ou busca caminhos alternativos. Olhos azuis glaciais me vêem. Em suas mãos, ela segura suas malas. Não há timidez, nem culpa. Nossos olhares sustentam um ao outro, como se construíssem uma ponte. Sinto meu coração bater contra meu peito, querendo implodir. Ele erra o compasso, pula um batimento necessário, mas consegue se recompor. Leva um segundo para eu notar que meus lábios se esticaram num sorriso. Tento minimizá-lo, mas ele volta a rasgar seu caminho de volta.

– Oi – Astrid diz baixo. Baixo o suficiente apenas para eu ouvir.

– Oi – eu respondo, dando alguns passos pequenos para frente.

Num salto, ela solta a bagagem no ar. Braços envolvem meu pescoço, e sinto seu peso contra mim. A pegada e seu peso são tudo o que eu mais quero sentir. Abraço a cintura de Astrid, sustentando-a no ar. Seu cabelo loiro esconde nossos rostos da humanidade, mantendo o sigilo de seus lábios sobre os meus. Astrid sorri, enquanto beijo seu rosto.

O trem atrás dela, apita, e parte para a próxima estação. Astrid afunda o rosto no espaço entre meu ombro e minha cabeça, e inspiro sua presença. Meus dedos apertam mais as costas dela, as palmas de minhas mãos colam-na contra mim.

Estou aquiOnde histórias criam vida. Descubra agora