Capítulo 01: O dia antes do caos

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Eu não tenho muitas lembranças de um dia em específico na minha vida. Eu chamo esse dia de o começo do fim. Que foi quando as minhas alterações de personalidade começaram.

Meu nome é A. Sim, A. A. 004. É estranho eu ter adotado o nome que me deram no lugar para o qual ninguém quer ir. E se tem curiosidade antes disso eu possuía um nome comum, mas que era bonito. Só que não posso usar aquele nome, ele já não me pertence mais.

É que, eu me esqueci de como meu nome era. Lembro que às vezes em que me lembrei dele, eu chorei por horas a fio me recordando da voz do sol que se pôs, a voz mais doce de todas as vozes chamando por meu nome. A voz dessa pessoa fazia meu coração doer. A dor era tão insuportável, que para seguir meu caminho, minha mente o apagou por completo.

Também não me recordo do nome do sol. Mas sua existência está marcada a ferro no meu coração. O nome do sol, a face do sol, as mãos do sol, nada mais disso existe.

Algo pior está cravado em mim: seu cheiro, sua voz, o som do seu riso e olhos. Olhos sem cor. Sem sentimento. Vazios.

Borrões. Minhas lembranças são como borrões coloridos, onde não vejo nada só escuto sons. Nas minhas memórias eu via muita luz e reflexos de cores em que o sol aquecia e rebatia com seus raios... Eu estava feliz, podia me escutar rindo, gargalhando, o sol gargalhava comigo, o sol que era uma pessoa que eu não posso ver devido à intensidade de luzes.

Então está chovendo, está chovendo dos meus olhos, está chovendo nas minhas memórias. Mais uma vez eu não posso ver nada, não por causa da luz, mas por causa da escuridão. A noite sem luz. Sem lua, sem estrelas.

O meu sol envolto em trevas desapareceu na noite escura. Posso escutar seus passos correndo, o som ficando distante. Sua voz desapareceu.

Eu corro sem direção na chuva, com meus olhos chovendo e embaçando tudo. Eu corro para onde você não está. Eu tropeço e caio pela rua pela qual você não tornará a passar.

Eu grito para o céu negro, para a estrada vazia sem carros, para as casas de luzes apagadas – ou sei lá para o que a noite esconde de meus olhos.

O último som. Posso jurar que chorei tanto que poderia ter enchido uma poça da água. Mas, não me pergunte o que aconteceu.

Eu apenas me lembro da dor devastadora de quando o sol desapareceu, e que algo dentro de mim sabia que seria para sempre, eu não o veria mais, eu não o tocaria mais, ele não poderia mais ser meu. Ele não voltaria para mim.

Não lembro por que ele partiu. Nem sei qual foi o motivo. Só sei que parte da sanidade que eu carregava me deixou uma profunda impressão daquela noite, como se eu a revivesse todos os dias, mas com menor intensidade.

Aquela noite eu me deixei estar na chuva, na rua onde ninguém mais está. Deixei-me cair na escuridão onde ninguém era capaz de me ver sofrendo.

Esse foi o dia antes do fim. O caos se formou ao amanhecer. Eu amanheci na rua ensopada pela chuva, mas era verão e estava quente demais para eu ter pegado uma pneumonia e morrido.

Porque sim num primeiro momento eu esvaneci, como se todas as minhas energias tivessem sido sugadas do meu corpo, naquele momento eu queria ter morrido.

Eu me lembro de receber um abraço muito forte de alguém, enquanto eu me deixava estar sentado ensopado naquela manhã com todas as pessoas em volta me olhando em sinal de desaprovação. Reconheci ser a minha mãe, tinha o cheiro da minha mãe, chorava como a minha mãe.

Ela me levou para casa. Fez-me algumas perguntas, mas eu estava muito cansado de ter passado uma noite inteira em claro, não tinha forças para responder, não queria falar sobre aquilo. Então ela me deixou descansar, mas quando eu acordei não estava no meu quarto.

Meus pais me enviaram para o lugar que ninguém quer ir. Eu não entendo porque ou como eles foram capazes de fazer uma coisa tão perversa para mim, eu só estava doente, não tinha machucado ninguém por causa disso, eu havia sido machucado profundamente por alguém! Isso não estava certo.

Eu não sabia de muitas coisas, havia muitas respostas que eu não possuía, me lembro de que tudo o que eu queria era ir para casa. Engraçado era que mesmo eu sendo maior de idade, eu me tornei propriedade do lugar ruim para o qual fui levado. Eu me tornei anormal.

Minha liberdade foi arrancada de mim com garras de ferro.

Se o sol estivesse comigo eu não teria me importado de ser taxada de doente mental. O sol e eu éramos diferentes e tudo que é diferente é julgado pela sociedade como estranho. Eu não sou uma aberração.

Aquela ideia de que todas as pessoas são iguais e que devem ser tratadas com respeito umas pelas outras é bonitinha, mas é uma mentira. Se você estiver fora do padrão considerado aceitável, então eles vão te perseguir por causa disso.

Nós – eu e o sol, sabíamos de tudo isso. Nós não ligávamos. Nós tínhamos um ao outro, e isso nos bastava. Eu sentia que podia fazer qualquer coisa e enfrentar qualquer pessoa ao lado do sol. Eu não fazia ideia de que o sol iria me deixar só.

Então no meu caos, no caos da minha "nova casa", eu me deixei dominar pelos meus sentimentos todos misturados, pela minha tristeza infinita e pela minha raiva infinita.

Eu havia perdido as minhas forças, já não sabia como lutar.

Muitas vezes me perguntei qual foi o crime que cometi para estar em uma cela. Não matei, nem roubei ninguém, mas fui presa mesmo assim, porque sou diferente. E ser diferente significa estar doente e precisar passar por uma intensa "quimioterapia", não eu não tenho câncer, eu só preciso ser drogado para aceitar o que me dizem como correto, é uma lavagem cerebral independente dos enfeites que eles coloquem. Independente das histórias que eles inventem para você.

O dia do fim. É difícil entender que aqui é meu novo lar.

Achei que eu fosse realmente enlouquecer no meu primeiro dia lá dentro, então eu tive uma ideia, eu comecei a escrever cartas, as cartas me mantinham vivo, eu podia controlar os dias através delas.

As cartas para ninguém, que sempre voltavam pelo correio por não possuírem destinatário. As cartas para o sol que me fez feliz por um tempo, até desaparecer e me fazer ficar aqui sozinho.

As cartas que eram a minha voz. A única voz que eu possuía o único motivo para seguir em frente. Eu acreditava que estava contando os dias para ser livre de novo, para sair e quem sabe procurar pelo sol que se foi.

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